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Racionais, em encontro raro, fala sobre carreira, discos e 30 anos de história

Red Bull Music Academy Festival reuniu os 4 integrantes do grupo para uma conversa única

06.06.2017, às 18H41.
Atualizada em 06.06.2017, ÀS 20H07

Os integrantes do Racionais MC’s participaram de um raro bate-papo organizado pela Red Bull Music Academy Festival para contar a história do grupo, falar sobre os planos futuros e também sobre algumas curiosidades. Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock conversaram sobre os 30 anos de carreira do projeto que originou um dos movimentos mais fortes e representativos da música brasileira dos últimos tempos - Abaixo separamos alguns dos principais momentos e você também pode ver o vídeo na íntegra.

A pergunta que inicia a conversa é se o Racionais é uma missão na vida de cada um deles? “É”, respondeu Edi Rock que seguiu, “A música não pode perder viagem, ela tem que ter harmonia, som e mensagem”. KL Jay complementou, “É uma missão por sermos quatro caras diferentes de realidades diferentes que olhavam pro mesmo lugar. Missão porque Racionais é como se fosse a voz dos que nunca tiveram voz”.

Os companheiros de música ainda seguiram comentando sobre o fardo de compor o grupo, será que o Racionais virou um fardo na vida dos integrantes? “Faz parte, a partir do momento que você escolhe um lado, [isso] faz parte. [...] já é assim desde pequeno. A gente começou a falar de coisas que ninguém falava a cobrança veio maior. Eu procuro colocar a diversão sempre na frente, pra ficar mais leve, suave. Sempre lembrando de onde a gente veio e porque veio”, enfatiza Rock.

História e o nome do grupo
Durante a conversa além de perguntas mais filosóficas, o grupo também contou como se conheceu. Brown e Blue vieram da zona sul enquanto Rock e Jay da zona norte. Os quatro se encontraram em um clube de rap na AV. Brigadeiro Luís Antônio e depois foram para  a praça São Bento, passando por um encontro inusitado no Copan, no qual as duplas tiveram a chance real de conhecer o trabalho uns dos outros. Mano Brown comenta que os laços entre eles surgiram por causa do rap e depois disso a amizade foi se fortalecendo. O nome do grupo foi inspirado no disco Racional do Tim Maia. Mas eles pensaram em outras possibilidades antes de bater o martelo, “O que tava pegando era sigla [como N.W.A.]. E a gente ia cair nessa”, destaca Brown.

Dos quatro, quem fala mais - no primeiro momento - é KL Jay que conta todas as histórias. Brown, Blue e Edi Rock são mais silenciosos, escutam e repercutem os fatos. Assim, Jay fala sobre fatos iniciais da carreira e comenta alguns momentos espeficíficos como o tempo em que dividiu o mesmo trabalho com Brown. O grupo também revelou alguns detalhes de quando fecharam o primeiro show comentando que um amigo passou o dia no orelhão, vendendo a apresentação do grupo e no mesmo dia eles fecharam uma apresentação. “Caralho, acabou a miséria!”, comenta Brown sobre a comemoração.

Depois do lançamento do primeiro disco e de alguns shows, o retorno para a vida comum foi sem nenhum mudança. “Eu tinha começado a ficar um pouco mais famoso, mas não tinha show nenhum, a gente teve muitos altos e baixos. A nossa história é essa. Precisava ter muita fé”, continua Brown.

Entre os detalhes de maior destaque na conversa surgiram os momentos em que eles começaram a ganhar dinheiro com seus shows. “A gente tirava foto com os pacotes de dinheiro. Antes da selfie a gente já fazia isso”. O sucesso financeiro chegou com a música “O Homem na Estrada” do disco Raio-X do Brasil. Brown comenta que nessa fase eles dividiam o dinheiro dos shows com 25 pessoas, “A gente escolhia os caras e falava você vai levar 3 mil. A gente fazia seis shows por dia. Fazendo o recolhe, passando o chapéu, e isso em 94”.

O show do Public Enemy
Outro grande momento na carreira do Racionais foi a apresentação do Public Enemy no Brasil. O grupo foi convidado para estar no show, após um encontro com Chuck D no hotel, mas quando chegaram ao show não foram autorizados a entrar. Nesse meio tempo, Brown conseguiu driblar o segurança, falar com Chuck e entrar no show. “A gente invadiu. Se não tivéssemos invadido nós não teríamos chegado lá. Por isso muitas vezes eu via os moleque invadindo [nosso show] e eu pensava talvez essa seja a única forma dele chegar”, fala Blue sobre a história.

Essa conversa leva a reflexão sobre como está a cena brasileira para quem está entrando no rap. Brown é categórico ao responder que "Uma coisa é ser negro americano outra coisa é ser negro latino-americano". Brown segue comentando ainda que “A primeira ideia do Racionais era falar sobre a raça negra. Pra gente isso é natural, não é militância. Eu vi acontecer o preconceito”.

Descobertos pelo Brasil e o disco mais conhecido
“Fim de Semana no Parque” do disco Raio-X do Brasil levou o Racionais para o Brasil inteiro. Em São Paulo, uma rádio rock tocou “Um Homem na Estrada” e foi um marco para a época. Porém, o disco que até hoje é o mais aclamado por uma boa parcela dos fãs do quarteto, Sobrevivendo no Inferno, de acordo com as palavras de Brown, “Foi um inferno”.

Não foi o disco que mais impulsionou a carreira da gente. Naquele momento criaram um personagem pra mim e fugiu do controle. Falar aquilo [o que está no disco] é diferente de viver aquilo. O clima era hostil. Essas músicas provocam coisas diferentes no ambiente, sabe? Começou a materializar umas coisas estranhas”. Brown segue explicando que a sensação que a sociedade e a classe artística tem em relação ao disco era diferente da deles. “Viam como um disco de protesto, pra nós foi cortar da própria carne. Começou a morrer gente, morrer amigo… Matar gente dentro das festas com camiseta do Racionais”.

Brown também joga luz ao fato de pessoas de diferentes lugares e extratos sociais terem começado a prestar atenção no que eles cantavam. “O Brasil tem momentos que todo mundo está cego, surdo e mudo. E a periferia, às vezes, enxerga. Então, a gente começou a falar disso. As pessoas estavam cegas. Como é que a pessoa ignora alguém que trabalha na sua casa triste. Você ignora? E quando a gente tava falando o óbvio, todo mundo falando que éramos gênios. Nós não somos gênios, a gente tava falando o óbvio”.

A conversa seguiu para o período entre discos. A pausa para reaprender a fazer rap e ainda a confissão de Brown de que o transformaram em um personagem, “Eu não era aquele cara que não dava risada, sabe?” E depois disso eles retornaram com o álbum mais musical, Nada Como Um Dia Após O Outro Dia.

A conversa segue e Blue enfatiza que “Quem trabalha com música tem que viver música. A missão hoje de quem tá na arte é sensibilizar". E finalizam com o questionamento, será que o Racionais ainda sensibiliza as pessoas depois de 30 anos?

Eu não sei se sensibilizou com os racionais. Às vezes eu acho o discurso é uma ideia muito perigosa. O cara tá precisando de fé e a pedrada vem na cara da pessoa logo de manhã. A gente acabou de lançar um disco, Cores e Valores e não sensibilizou ninguém, disco de boy, batida de gringo. E ninguém entendeu. Pra você ver como tá complexo. Sensibilizar em forma de rap tá difícil, muita gente já falou muita coisa”, comenta Brown que afirma ainda que o grupo já tem ideias para um novo disco, “[...] eu já consigo ver o disco pronto”.

A conversa aconteceu como parte do Red Bull Music Academy Festival São Paulo que vai até o próximo domingo e hoje (6) conta com um show especial dos Racionais passando por todos os períodos da carreira, uma exposição sobre o grupo, estreia mundial de projetos visuais, entre outros eventos. Todas as informações referentes a todos os eventos estão disponíveis no site oficial do festival.