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Claro que é rock, para o bem ou para o mal
Numa análise superficial, é possível detectar duas tendências no atual cenário da indústria cultural brasileira: a aposta no independente e o dinheiro que sobra no caixa das operadoras de celular. O mercado indie é moeda corrente em reuniões e resoluções em todos os lugares possíveis, da agenda cultural de prefeituras às reuniões de cúpula de grandes corporações. E o poder de barganha das operadoras de celular aumentou nos últimos anos, assumindo o lugar de mecenas que pertencia à indústria do cigarro, escorraçada do jogo pelas leis governamentais.
Somando um ao outro, nada mais lógico que os braços do marketing da operadora Claro abençoassem o filão de música independente - assim como a concorrente TIM, que adotou o festival natalense MADA.
A idéia, quando anunciada, soava bacana: um festival de pompa, idealizado pelo falecido produtor Tom Capone e voltado especificamente para os garageiros. A fórmula se invertia e as bandas menores eram o grande foco da organização, deixando as atrações internacionais como um acessório de luxo. Na primeira fase, acompanhando a turnê do Placebo pelo país, 40 bandas concorreriam em eliminatórias regionais por oito vagas no palco principal do festival, marcado para o fim do ano.
O que parecia um saco cheio de boas intenções, porém, acabou afundando em uma seqüência de equívocos e mal-entendidos.
Os problemas começaram quando foi divulgado o regulamento oficial pela Claro. Além da subjetividade da curadoria (que buscava bandas estritamente de puro rock, seja lá o que isso quer dizer), um dos itens deixava óbvio que bandas independentes com discos gravados e contratos com selos e distribuidoras não poderiam participar. Isso limava boa parte das bandas que, a rigor, comercializam suas demos e têm uma boa estrutura com as dezenas de pequenas gravadoras que existem Brasil afora.
Diante do aparente baixo número de inscrições, veio a primeira falha de comunicação entre os departamentos jurídicos e criativos do festival. Um porta-voz da Claro declarou à coluna do jornalista Lúcio Ribeiro que, apesar das regras impostas, as bandas ligadas a selos independentes tinham sua participação liberada.
Uma lista foi divulgada no começo de abril, com as cinco bandas selecionadas para cada etapa. Dos quarenta eleitos, boa parte já tinha uma discografia e carreira estabelecidas, o que gerou protestos das bandas menores não selecionadas. Acusações não faltaram, incluindo histórias sobre inscrições que teriam chegado à organização dentro da data limite e ignoradas, mofando em agências dos Correios.
A choradeira deu resultado, gerando a ação mais equivocada que os curadores do festival poderiam ter tomado. Algumas semanas após a divulgação dos selecionados, cinco bandas foram expulsas do festival e substituídas por outras: Violins e Bois de Gerião (da etapa em Brasília), Os The Darma Lóvers (Rio Grande do Sul), Carbona (Rio de Janeiro) e Fuga e Pullovers (São Paulo).
Os desclassificados receberam um e-mail do festival, acusando-os de flagrante violação ao regulamento por terem discos comercializados em sites, segundo diversas denúncias realizadas por terceiros.
Mais uma vez, a desorganização e desinformação do festival veio à tona. Era notório, para qualquer um com o conhecimento do mercado indie que a curadoria deveria ter, que boa parte daquelas bandas tinham seus discos distribuídos sob um esquema profissional. A contradição é tanta que, além dos desclassificados, sobraram outras tantas na escalação oficial que estão ligadas ao mesmo esquema. Ao que parece, a organização quis diminuir os protestos das bandas não classificadas - os tais terceiros -, mas a politicagem só fez criar mais polêmica, diminuindo a integridade do evento.
Além de tudo, a primeira lista divulgada era tão afobada que trazia bandas que não tinham sequer um contrato assinado com o festival. A última baixa foi novamente em São Paulo: os integrantes da Biônica pularam fora após se recusarem a assinar um acordo de cessão de direitos de imagem e som.
Mais confusão veio a seguir, durante as eliminatórias, dando margem até mesmo a acusações de nepotismo. Não faltaram relatos do Rio Grande do Sul, afirmando que a banda escolhida na votação (a novata Cartolas) já era carta marcada antes do início dos shows.
Favoritismo ou não, o festival também pecou na seleção dos júris regionais, escalando pessoas ligadas às bandas que concorriam no mesmo lugar. Um exemplo foi o júri de Recife, que contava com Ana Garcia e Carlos Eduardo Miranda - ela, uma das idealizadoras do site/zine/selo Coquetel Molotov, que abriga a Rádio de Outono, e ele o produtor do primeiro disco do Zefirina Bomba, duas das bandas que concorriam à vaga pernambucana.
Com tudo isso, o saldo que fica da porção indie do Claro Que É Rock, apesar das boas intenções, é bem baixo. O descompasso entre o mercado independente e o que os curadores entendem por mercado independente beirou o desrespeito.
Segundo Wagner Vianna, um dos curadores do festival, as bandas indies dependem de um grande incentivo como o gerado pelo festival. Visão equivocada, já que o cenário sobrevive há décadas sem essas ondas passageiras de atenção. Nem tudo tem que ser encarado como pura benevolência. Se querem incentivar o mercado independente, é preciso uma relação de troca justa.
Para os executivos da empresa, parece estar tudo bom, tudo bem. Afinal, pouca coisa desse imbróglio chegou à grande população consumidora - e o que chegou dificilmente receberia um naco de atenção. Para esta parcela maior, o festival foi um sucesso, trazendo uma banda querida lá de fora e dando um espaço quentinho aos pobres independentes, que parecem loucos por um tantinho de amor.
Mas é frente a esse mercado indie tão cobiçado que a situação da empresa não é muito boa. O festival de erros, mal-entendidos e confusões tornou a Claro persona non grata na maioria das rodas. E, se ela quiser repetir a dose num suposto segundo ano do festival, vai ter que suar muito para limpar sua imagem.