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Primal Scream no Rio de Janeiro 2011

Comemorando exatos 20 anos do disco Screamadelica, Bobby Gillespie comanda show histórico

27.09.2011, às 12H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H28

O que define um "show histórico", afinal? Uma banda empolgada com repertório afiado? Sim. Um público atento e entregue? Também. Um bom som e luz não são exatamente essenciais, mas ajudam bastante. Mas tem alguma coisa que completa o pacote, que não é fácil de explicar. Você pode chamar de vibe, feeling, ou até de conjunção de astros. É algo que só quem estava lá pôde sentir. E quem não estava, uma pena - porque rapaz, aquilo foi histórico.

primal scream

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Foi o que aconteceu na passagem do Primal Scream pelo Circo Voador no Rio de Janeiro, enquanto Claudia Leitte e Rihanna abriam o Rock in Rio a bons quilômetros dali. Um público pequeno e interessado - boa parte deles responsável pela realização da noite via Queremos, projeto de crowdfunding que é uma das coisas mais bacanas que já apareceu por aqui - encheu o lugar para comemorar o aniversário do disco Screamadelica, lançado exatamente no dia 23 de setembro de 1991. Uma coisa "vinte anos esta noite", sabe como? Conjunção astral é isso.

Screamadelica é um disco marcante, não só na história da banda escocesa, mas para o rock como um todo. Nele, o Primal Scream alcançou seu primeiro sucesso de crítica, inventando um caldeirão que misturava a pegada dos dois discos anteriores com rock dos anos 1970, house e bases eletrônicas, gospel e dub. Também difícil de explicar, mas muito fácil de se entender ao ouvi-lo. Era o oposto exato a Nevermind, lançado pelo Nirvana no dia seguinte, e aos dois Use Your Illusion dos Guns N' Roses. Uma salvação aos indies de cabeça aberta da época.

Agora, depois de duas décadas, o Primal Scream se mantém como um dos bastiões da época, ainda na ativa e sem grandes concessões na carreira. E foi assim que entraram no palco, com uma vontade maior de fazer bonito depois da passagem chinfrim pelo Planeta Terra de 2009.

A noite começou calma e reflexiva com "Movin' On Up", que também abre o disco, uma homenagem aberta aos Rolling Stones no refrão iluminado "my light shines on". O vocalista Bobby Gillespie comandava, o público embalava e a backing vocal Denise Johnson, negra de corpo e voz enormes como manda o figurino, completava a comunhão. É dela os vocais que permeiam o disco na gravação dos anos 1990. Denise pegaria o microfone, depois de "Slip Inside This House", para tomar os vocais na hipnótica "Don't Fight It, Feel It", juntando-se à cozinha da banda sobre a base eletrônica.

Daí para frente, o lugar esquentaria seguindo a progressão do que pedia o título: sinta a música. Gillespie, eternamente magro e blasé, passaria a noite nos seus limites de vocalista mediano (porém suficientemente eficiente com o que consegue fazer), reforçado por suas poses e maracas, ao lado do baixista-gente-boa Mani.

Projeções ajudavam a fazer o clima psicodélico da noite, incrustada no meio da Lapa carioca - um samba furtivo se ouvia ao longe, nos poucos intervalos de silêncio, lembrando que a vida real continuava lá fora.

Então viriam a balada stoniana "Damaged", e um clarinetista/saxofonista assumiria os metais a partir de "I'm Coming Down" e "Inner Flight", seguidas por "Higher Than The Sun".

O final viraria celebração (lembre-se que estamos falando de um show histórico), quando a banda estendesse "Loaded" a uma versão pesada e carregada no mantra do refrão, junto da gravação original de Peter Fonda ressoando e o público absorto cantando "I don't wanna lose your love". No bis, fugindo do roteiro de Screamadelica, a banda pesou na velocidade com "Country Girl", "Jailbird" e "Rocks".

Mas o que define tudo é "Come Together", que encerraria de verdade a noite antes do bis. Gillespie e Denise comandavam a apoteose sobre o barulho do rock eletrônico, tal qual igreja louvando uma sintonia geral pela música, pela história, pela vibe.

Quem se entregou, sabe que alguma coisa maior e maciça aconteceu por ali. Algo que se podia pegar no ar carregado dentro da tenda. Era a viagem dos hippies dos anos 1970, filtrada pelos clubbers fritos dos anos 1990, marcada pelo baixo forte e pelo groove e pela primavera que começava naquela sexta-feira. Coisa assim não acontece todo dia.