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Música
Artigo

Paredes de Coura 2009

Tudo o que rolou no maior festival português de Rock

PZ
31.08.2009, às 13H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 00H03

A meteorologia previa sol para todos os dias nas colinas esmeralda de Paredes de Coura e apesar de uma programação que pecava pela falta de nomes mais sonantes para despertar o interesse do público festivaleiro, a edição de 2009 do festival, que sofreu cortes no orçamento da organização com resguardos em relação aos tempos de crise que correm, foi um sucesso. Sendo os nomes mais pesados Franz Ferdinand, Supergrass e Nine Inch Nails e as grandes surpresas do festival The Temper Trap, Patrick Wolf e The Horrors.

Paredes de Coura 2009

Peaches

Paredes de Coura 2009

Jarvis Cocker

Paredes de Coura 2009

Temper Trap

Paredes de Coura 2009

The Pains of Being Pure At Heart

Paredes de Coura 2009

Nine Inch Nails

Paredes de Coura 2009

Patrick Wolf

Paredes de Coura 2009

Portugal. The Man

Paredes de Coura 2009

Franz Ferdinand

Paredes de Coura 2009

Howling Bells

Paredes de Coura 2009

Supergrass

Paredes de Coura 2009

The Hives

Paredes de Coura 2009

The Richt Ons

Paredes de Coura 2009

Foge Foge Bandido

1º dia

O primeiro dia do festival, que teve inicio no palco secundário, foi estreado pelos portugueses Sean Riley and The Slowriders. Com um som muito puxado de um Bob Dylan na fase Bringing It All Back Home, se ele estivesse vivendo no Texas e ouvindo um pouco de Led Zeppelin às vezes. Apesar de proporcionarem um bom início para a noite de shows do festival, graças a uma performance cativante e a um som de fácil acesso, falta personalidade à banda e toda a produção que envolve seus participantes tem algo de oca. Inventar um nome em inglês não entra na minha cabeça e acho isso tudo muito estranho.

Muita gente reclamou da performance da banda The Strange Boys, um quase-Libertines sem o lado polêmico. A música lo-fi e largada dos meninos estranhos pareceu incomodar uma boa parte das pessoas que gostaram do som polido de Sean Riley. Mas na voz esganiçada do vocalista (que motivo de muitas das reclamações) e na simplicidade inteligente do grupo está o sabor de algo fresco que falta a Sean Riley e o ingrediente certo para bons momentos de diversão despreocupada movidos a correntes de distorção e ao pulsar rítmico do bom e velho rock ’n’ roll.

A grande surpresa da noite e um dos melhores shows de Paredes de Coura foi cortesia de Patrick Wolf. Antes um bardo romântico que experimentava com a música electrónica, Patrick Wolf ganhou asas e virou um catalisador de energias digno de ser cogitado como o Ziggy Stardust dos nossos tempos, graças à sua pura presença que levou o público a momentos de puro delírio. A base eletrônica que era simples ganhou o peso de um épico folk da new wave e entre uma ou duas mudanças de figurino as melodias de violino casadas com uma certa urgência da música eletrônica geraram os pontos altos da noite com as músicas "Hard Times", "The Magic Position" e a mais agressiva "Battle".

2º dia

O segundo dia de Paredes de Coura não poderia ter começado melhor. Os australianos The Temper Trap proporcionaram nova música com influências de Broken Social Scene, Arcade Fire e até momentos que lembram Michael Jackson, tudo casado de forma a gerar uma experiência de música pop complexa que dá prazer em se entregar ao som e lembra momentos de descoberta que já há alguns anos não tinha a oportunidade de testemunhar.

É difícil desenvolver uma linha de pensamento mais elaborada sobre o show do Pains of Being Pure At Heart. Para falar sobre a música não é preciso ir além da referência extremamente colada de My Bloody Valentine e toda a onda Shoegazer e para falar sobre a perfomance da banda em palco não é preciso ir além da menção à tecladista e vocalista Peggy Wang, que logo conquistou o público somente com a sua presença e aos esforços do guitarrista e vocalista Kip Berman, que estava claramente muito animado, para dar mais vida ao show, sem grande sucesso. Uma passagem agradável sem momentos altos nem baixos.

Uma das maiores surpresas surgiu com os britânicos The Horrors que vieram munidos com umas paredes sônicas que deram um novo contorno à música mais punk que a banda registrou no inicio da carreira. A manipulação das frequências sonoras que normalmente são limitadas na forma de um teclado ganharam um maior espaço de manobra graças à tecnologia e a técnica utilizada pela banda para atingir texturas extremamente ricas e particulares. Suportadas por um bombo e uma corrente de graves extremamente potente marcando a pulsação, estas texturas combinam com linhas melódicas insistentes que causam estranheza a principio e evoluem para conjunções harmônicas inesperadas onde dá para se perder em prazer.

Os já malhados Supergrass passaram por Paredes de Coura sem deixar nenhuma marca mais significativa. Para um público que teve a oportunidade de voltar a descobrir as canções que já faziam de alguma forma parte do seu passado, e também de ficar sabendo o que a banda produziu mais recentemente, o show valeu pela consistência e pelo entusiasmo que a banda transparecia enquanto desfilava seu rock meio inocente com fusões muito características dos anos noventa. Entretanto, para alguém que esperava ser conquistado pela música, a linearidade do conceito não foi o suficiente atingir tal objetivo.

A festa para o show do Franz Ferdinand já estava garantida graças à sequência de hits que compõem o espetáculo da banda do princípio ao fim, mas o ritmo e a intensidade da performance, junto com duas ou três músicas menos reconhecíveis e mais desinteressantes, também levou a um momento de abstração na segunda metade do show.

As músicas que tornaram a banda famosa sempre terão o seu apelo, mas com o segundo álbum muita dúvida surgiu sobre a capacidade de Kapranos e companhia em conseguirem manter o público interessado na música. O momento final do show abriu portas para novas experimentações. Com base em uma estrutura eletrônica em looping, os membros da banda passearam entre sintetizadores e samplers tocados como bateria, mantendo assim o apelo visual da coisa, criando um momento apoteótico no qual, livres da função de ter que tocar um instrumento para manter a corrente de energia no topo, puderam sair um por um do palco sob ovações que conseguiam se fazer ouvir bem mesmo com o volume que ainda massacrava o público. Nick McCarthy abandonando o palco com um ar de doutor maluco planejando seu próximo passo poucos momentos antes do último integrante da banda, o baterista Paul Thomson, encerrar o concerto com um solo, deixando o público com assunto para conversas entusiastas.

3º dia

O Mundo Cão não conseguiu surpreender em nenhum aspecto. Uma apresentação preparada e bem estudada compôs o cenário para a exibição de um conjunto de músicas que queriam caminhar em um espaço mais pós-punk mas que ficavam no meio do caminho entre este objetivo e música para novela.

A banda com o curioso nome de Portugal. The Man fez o seu primeiro show em Portugal com base numa música blues rock coberta de melodias e cacarecos mais folk, mas nem a presença de cinco pessoas no palco mostrando disposição e entusiasmo pelo que estavam fazendo foi o suficiente para gerar mais rebuliço em torno de canções que não têm personalidade, sendo os mesmos licks de guitarra executados, não muito bem, pelo guitarrista e vocalista John Baldwinv uma lembrança constante das limitações do grupo.

Nos últimos tempos temos tido o privilégio de poder ouvir duplas extremamente inventivas em seu conceito, que por possuir certas limitações levam à descoberta de novos caminhos para tornar a música interessante, e apesar de Paredes de Coura já ter apresentado bandas que conseguiram seguir esta rota, como Death From Above 1979 e The Kills, infelizmente não é este o caso da dupla Blood Red Shoes. Com um som de guitarra que lembra um pouquinho de Placebo um pouquinho de Interpol e a marcação rítmica da bateria que nunca saiu muito do punk hardcore, com um pouco da precisão mecânica de um Stephen Morris, a banda foi um balde de água morna que foi esfriando os ânimos de quem esperava algo mais instigante naquela altura da noite.

Peaches superou as limitações da sua música simplista ao apresentar um espetáculo nas linhas que o Fischerspooner apresentou há dois anos, mas mais discreto. Sua posição como uma das precursoras do electroclash o único motivo para justificar e bancar tal produção para um conceito que seria normalmente apresentado em espaços muito menores que o anfiteatro de Paredes de Coura. A característica um pouco mais épica e um pouco mais acessível de Fishcerspooner acabou dando uma base muito mais interessante para muitos dos mesmos "efeitos especiais" que Peaches utilizou. Ainda assim, a atitude de Peaches conseguiu ultrapassar o marasmo em que poderia cair a apresentação e executar um espetáculo bastante peculiar e sensacional. Várias mudanças de figurino, conversas ensaiadas com os membros da banda, um momento à la Ziggy Stardust em que a guitarrista enxota Peaches do palco e faz um solinho muito meia-boca, só para dar tempo a Peaches para voltar vestida com um roupão e uma toalha enrolada na cabeça dando o mote para a piadinha "Wow, that solo was so hot I had to take a shower!". Para recriar a colaboração com Iggy Pop na música "Kick It", o DJ da banda ficou sem camisa e vestiu uma peruca loira que não fazia muita justiça ao nosso querido vocalista dos Stooges.

Foi cortesia de Peaches ainda um dos momentos mais interessantes da história do festival. Durante a música "Set if off", ao sinal das palavras de ordem "shirts come off, shirts, shirts come off" começou um movimento, ao inicio tímido, de camisetas sendo rodadas no ar que cresceu rapidamente até se transformar em uma massa de matéria viva pululando de liberdade que absorvia boa parte da plateia que se dispunha no coliseu verdejante.

Fui ver Nine Inch Nails com uma mente aberta e à espera de ser surpreendido por um espetáculo de música avassalador. Fora uma fase durante os meus 11 anos em que gostava muito de ouvir a música "the perfect drug", o meu aprofundar no trabalho da banda sempre foi impedido por me remeter a um tipo de música que eu não gosto mesmo, um tipo de rock brega meio rançoso. Depois de muito ouvir muita gente falar mundos e fundos sobre a genialidade e os dotes criativos de Trent Reznor queria ser eu a morder a língua, mas infelizmente não foi o caso.

O show foi exatamente como um acidente de carro. Aquele momento interminável entre a batida e o impacto da sua cabeça no volante. Uma parede de som avassaladora impedia muita noção de dinâmica e um interminável disparar de dezenas de luzes strobe incessante causavam mais uma experiência de atordoar os sentidos por volume e quantidade e não pela música em si, que era um pouco difícil de conseguir ouvir propriamente.

Apesar deste massacre, vi muita gente extremamente satisfeita com o show, enquanto outras pessoas falavam que a escolha de músicas mais antigas e mais obscuras do repertório da banda contribuíram para um espetáculo de mais difícil apreciação.

4º dia

Manuel Cruz abriu o quarto dia de show em Paredes de Coura com o seu mais recente projeto, Foge, Foge Bandido. Presente no panorama musical Português há mais de uma década, sua primeira banda, Ornatos Violeta, deixou uma marca profunda na música feita em Portugal e deu esperança para gerações futuras poderem acreditar que é possível fazer boa música em português no país.

Munido de vários samples e sintetizadores, a banda teve de ficar sentada atrás de pequenas mesas de madeira para driblar a complexidade técnica que foi montar um show baseado em um álbum que não foi pensado para aquele formato. Mas nem isso os privou de serem uma das bandas de abertura melhor recebida na história de Paredes de Coura. Pena que o público não foi tao grande quanto poderia, culpa da fila de 30 minutos que impediu muita gente de ver o show do principio ao fim. Manuel Cruz ainda teve que se esquivar de vários pedidos de músicas dos seus projetos anteriores, no princípio com comentários sarcásticos, mas sensibilizado pela recepção calorosa que teve ainda disse que tocaria uma das músicas pedidas, se tivesse ensaiado com a banda.

O sucesso do show e a diferença do projeto Foge, Foge Bandido em relação a outras bandas com posições mais baixas no line-up ficou marcada pela realização de um bis a pedidos insistentes do público, oportunidade nunca antes dada a uma banda que não a cabeça de cartaz.

Marcando a presença espanhola em Portugal, uma iniciativa da organização para tentar atrair os festivaleiros do país vizinho, a banda The Right Ons vestiu a capa de estrela do rock para alcançar um público que normalmente seria entretido mas não muito pela música. O pop rock divertido do grupo, que desde o início já era um estímulo para colocar o corpo em movimento, foi graciosamente carregado por algumas atitudes de ousadia da banda, que liberou a festa. Um dos momentos mais interessantes que eu já tive a oportunidade de presenciar em Paredes de Coura foi o apelo à participação do público. Não foi um daqueles pedidos comuns de marcar o ritmo com palmas. Eles jogaram dezenas de maracas para o público, que fazia de tudo para pegá-las. O que se viu a seguir foram maracas no ar enquanto o vocalista pulava do palco e corria pelas margens do público até chegar a um ponto onde achou bem mergulhar e nadar até ao palco outra vez; maracas no ar enquanto tentava iniciar uma "sing-along" baseada na música "Higher", de Sly & The Family Stone; maracas no ar até ao fim, marcando o sucesso da passagem da banda por Coura.

Uma espécie de Cardigans com uma abordagem mais moderna é uma comparação inevitável para a banda Howling Bells, muito graças ao timbre da vocalista Juanita Stain. Com uma atmosfera mais obscura e voltada para o rock, a banda não deixa de fugir a melodias doces e jogos de intervalos harmônicos muito bonitos no crescendo do refrão com um toque psicodélico complementando a cena.

Apesar de não conseguirem reproduzir a mesma potência que as músicas têm no álbum, o Howling Bells levou o público para uma viagem sonora bastante interessante, por músicas como "Cities Burning Down", que parece PJ Harvey mas bom, e "Treasure Hunt", que retrata muito bem a aventura fantástica da letra com um casamento entre Björk e Arcade Fire. A comunicação constante de Juanita e os elogios despejados ao público e ao ambiente de Paredes de Coura mantiveram o interesse da plateia durante os momentos mais mornos do concerto, que teve como um dos momentos altos durante a épica "Setting Sun", que reúne todos os melhores aspectos do som da banda. Uma audição indispensável para quem procura algo que soe fresco.

Jarvis Cocker utilizou seu humor britânico para conduzir seu espetáculo quase como um apresentador muito sagaz de algum show de variedades. As letras carregadas de ironia casam com a música pop peculiar de Jarvis, que parecia ultrapassar a sua inabilidade em sorrir concentrando toda a energia que utilizaria para isso fazendo o público sorrir. Guardando seus movimentos de dança mais simples (levantar o braço direito, levantar o braço esquerdo) para interagir com o público que tentava seguir suas deixas, Jarvis flutuava pelo palco exibindo sua electro dance indie cheia de firulas e chutinhos no ar. Em certo momento anunciou que iria adivinhar o nome das pessoas do público e, entre comentários do tipo "good to see you again" e "long time no see", rebatizou o público português com nomes tipicamente ingleses antes de começar a apoteótica "Angela", que deixa evidente a influência de Nick Cave, que paira suavemente sobre quase todas suas músicas.

Antes de entrar a base eletrônica que anunciava a ultima musica do concerto, "You’re in my eyes (disco song)", Jarvis ainda teve o brilhantismo de derrubar uma das caixas de som que faziam o retorno no fosso, passando perigosamente perto da cabeça dos seguranças.

The Hives é considerada por certas mídias uma das melhores bandas ao vivo do mundo, mas quem já viu um show deles já viu todos. As atenções se concentram no vocalista Pelle Almqvist e no guitarrista Nicholaus Arson que se encarregam da maior parte das macacadas no palco. Enquanto Pelle funciona como um mestre de cerimônias extremamente convencido durante toda a atuação, Nicholaus chama a atenção pelo estilo entusiasta que utiliza para manipular sua guitarra enquanto fita o público com umas caras extremamente engraçadas. Circo montado, festa feita, mas apesar do delírio que dominava os festivaleiros que queriam espremer ao máximo o limão de 2009, levando a um crowdsurfing generalizado impressionante em alguns momentos, as músicas são quase todas parecidas de mais umas com as outras, The Hives alcançaram a fórmula do sucesso comercial e decidiram não ir mais além.

Fotos: Manuel Magalhães e Margarida Batista