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Entrevista

Omelete entrevista: Buzzcocks

Omelete entrevista: Buzzcocks

08.08.2003, às 00H00.
Atualizada em 05.11.2016, ÀS 04H10
Buzzcocks - Buzzcocks
Anote aí: o
Buzzcocks está de volta. Não que o grupo tenha acabado, mas em comparação ao último álbum, Modern (99), carregado de elementos eletrônicos que não pegaram muito bem, é um alívio vê-los de volta às origens. O novo álbum, que carrega o nome da banda, traz o que eles sabem fazer melhor: o bom e velho punk, mas com um pé no pop.

"Sempre que vamos gravar, paramos pra pensar que tipo de álbum vamos fazer. Nos outros discos nós sempre tentamos refletir a época em que foram feitos. Quando gravamos Modern, a idéia era fazer um disco de não-rock. Por isso os elementos eletrônicos. Agora tentamos gravar um álbum que soasse atual, um álbum de rock", explicou o líder Pete Shelley, em entrevista exclusiva ao Omelete.

A banda, para quem não sabe, habita a santíssima trindade do punk inglês que emergiu no meio da década de 70, ao lado de Sex Pistols e The Clash. Enquanto seus primos mais famosos insistiam em cutucar a ferida do engajamento político, o Buzzcocks optou pelas letras sobre amor e outras generalidades. Da trindade, foram também os únicos que sobreviveram por esses 25 anos com uma carreira razoavelmente sólida. "Naquela época, não achávamos que ainda estaríamos tocando. É engraçado como o tempo voa", admite Shelley.

Era uma vez...

Pete Shelley e Howard Devoto, as duas raízes iniciais da banda, se conheceram em 75 e logo se tornaram parceiros musicais, graças aos gostos parecidos. O Buzzcocks começou a tomar forma ao mesmo tempo em que os Pistols estouravam em Londres. Foram eles que organizaram o primeiro show da banda de Johnny Rotten em Manchester, com a intenção clara de capitalizar em cima da cena punk local, angariando público entre os fãs dos Pistols.

Em 76, depois de viajarem junto com a "Anarchy tour" dos Pistols, o Buzzcocks gravou seu primeiro compacto, "Spiral scratch". Totalmente financiado pela banda, o disco é considerado o primeiro marco da filosofia DIY (faça você mesmo, em inglês). Logo depois do lançamento, Devoto abandonou a banda e Shelley assumiu os vocais, passando a guitarra para Steve Diggle e contratando o baixista Garth Smith, além de John Maher na bateria. Smith, aliás, logo seria substituído por Steve Garvey, finalizando a formação clássica do Buzzcocks.

A primeira fase da carreira do Buzzcocks foi rápida: como conseqüência do primeiro compacto independente, seguiu-se um contrato com a United Artists. Foram três discos e três singles até 1980, quando a gravadora foi vendida à EMI. Então, a nova dona do passe da banda recusou-se a bancar o novo disco, o que causou o racha.

Tempos modernos

A separação amigável vingou até 89, quando eles se reuniram para uma série de shows e acabaram retomando a carreira em 93. O hiato, porém, afetou um bocado o trabalho do Buzzcocks. Dos membros originais, sobraram apenas Shelley e Steve Diggle, os compositores. Foram quatro discos desde então, formando uma curva crescente na qualidade - com um pequeno tropeço em Modern.

O novo disco saiu por uma gravadora menor e, depois da briga com a EMI na década de 80, a banda parece não ter a intenção de assinar um novo contrato com uma "major". "As grandes gravadoras não nos entendem, e acho que elas têm um pouco de medo da gente. Eles estão acostumados a dizer às pessoas o que fazer, mas nós sabemos bem o que fazer".

Se por um lado a sonoridade do velho Buzzcocks influenciou bandas do bem, como Nirvana ou Supergrass, todo aquele "boom" de punk-pop do começo dos anos 90 também carregou muito do que foi feito pela banda inglesa nos anos 70. Pete Shelley, porém, não fica muito orgulhoso em ser chamado de padrinho de Greenday, Offspring ou Blink 182. "Não, não mesmo. (risos) Digo, acho que eles mudaram algumas de nossas boas idéias, mas acabaram piorando-as. Nós somos melhores", confessa sem falsa modéstia.

Shelley não parece ligar muito para o novo hype instantâneo que se convencionou criar semanalmente em torno dos novos salvadores do rock. "É até interessante, mas algumas bandas soam sempre a mesma coisa. Eu ouvi o disco do Yeah Yeah Yeahs durante nossa turnê pelos EUA. Gostei de uma ou duas músicas, mas é um álbum pobre. Eu não compraria", disse. "Mas não acompanho especialmente essas bandas novas, acabo lendo ou ouvindo por aí como qualquer um. Não ouvi o álbum do Strokes inteiro até hoje (risos)".

Ele também se mostrou completamente a favor da anarquia digital que começou com os MP3 e vem causando dores de cabeça à indústria musical. "Esse movimento todo da música digital funciona do mesmo jeito como quando gravávamos músicas do rádio em fitas cassete. No fim das contas, isso acaba incentivando as pessoas a gravarem bons discos, que tenham mais de uma música boa. Trabalhos que façam com que os outros realmente tenham vontade de comprar o álbum. É muito difícil ouvir música nova hoje em dia, e a Internet acaba tornando isso um pouco mais fácil".

Solo e bem acompanhado

No intervalo entre o fim e o retorno do Buzzcocks, Pete Shelley chamou atenção com seus trabalhos solo. Em três discos lançados entre 81 e 86, ele deixou o punk um pouco de lado e construiu boas peças de synth-pop com elementos de música eletrônica. Apesar de ter emplacado um hit em 1981 - "Humanoid" - Shelley não parece disposto a alimentar sua carreira solo hoje em dia.

"Estou completamente sem tempo, acho que o Buzzcocks é mais que suficiente pra mim atualmente. Mas tem o álbum que gravei com Howard Devoto (ex-Buzzcocks) no ano passado, que é um projeto "meio-solo". (risos) Nós pegamos as músicas que Howard tinha feito e minhas letras e colocamos tudo junto pra ver o que tínhamos. No final, descobrimos que tínhamos um disco", explicou.

A banda já esteve no Brasil duas vezes, em 95 e 2001. E Pete Shelley garante que eles estão loucos para voltar. "Esperamos incluir o Brasil na atual turnê. Nos divertimos muito aí há dois anos".