De repente, tudo tornou-se pop. De NSync a Mogwai, qualquer coisa que mais de duas pessoas ouçam e tenha sido feito da década de 70 em diante cai na mesma vala comum. Surgem, então, alguns absurdos como emparelhar Strokes e Bon Jovi na mesma prateleira da loja ou comparar Christina Aguilera com Nelly Furtado.
E é desta última que vamos falar.
Filha de pais portugueses, nascida em Victoria, Canadá, Nelly teve, pela sua ascendência, contato com um porrilhão de culturas e estilos musicais. Partindo desta raiz e agregando uma paixão obsessiva que diz ter pelo que insiste em chamar de cultura urbana, formou-se uma artista que tem como influências nomes tão variados quanto Jeff Buckley, Caetano e Gil, Radiohead, Cesária Évora, Billy Joel e Portishead.
Na infância, cantou em igrejas com a mãe; na adolescência, jogou uma espécie de repente com nativos em Portugal e foi cabeça de um duo de trip hop; já adulta, é uma cantora pop de grande alcance, tendo emplacado dois hits absolutos nas rádios de todo o mundo. Mesmo assim, manifesta expectativa em crescer e continuar aprendendo.
Recentemente esteve no Brasil, para um show (leia a resenha mais embaixo) no dia 6 de maio, no Credicard Hall. A venda de ingressos foi pela honestérrima e autofágica Ticketmaster - aquela que, por imorais e vergonhosas fórmulas mais complicadas do que a do Brasileirão de 1985, consegue fazer com que shows de rock e pop, onde a maioria do público é estudante, tenham sua meia entrada transformada em quatro-quintos da inteira. A UNE, com certeza, não deve ter dinheiro para pagar advogado.
Antes de mais nada, vale comentar a beleza da moça. É de se admirar que não seja mais conhecida por seus belíssimos olhos verdes.
Simpaticíssima e respondendo em português luso claríssimo, foi bastante prestativa e deu vistas de ser nada mais do que uma menina no estilo deslumbre em seu primeiro dia na cidade grande.
Falou muito sobre uma certa afinidade que sente pelo o Brasil, sempre traçando paralelos com jogos de seleções de futebol - no melhor estilo Febre de Bola, do Nick Hornby. E, durante toda a entrevista, deixou transparecer uma admiração enorme pelo país e sua música, afirmando várias vezes que gostaria de gravar coisas brasileiras e fazer parcerias com nossos músicos. Citou ainda uma cover obscura de Jimi Hendrix por Caetano e Gil, dando a entender que gostaria de incluí-la em seus futuros shows.
Ainda para o futuro, a canadense afirma que deve fazer novas parcerias com nomes do hip hop, citando, de maneira enfática, o Timbaland. Aproveitou a deixa para falar da facilidade que foi gravar Get Your Freak On com Missy Elliot. Acredita que isso se deve à sua admiração pelo hip hop. Vale lembrar que ela freqüentemente cita nomes como De La Soul, Ice-T, Digable Planets (aquela banda de acid jazz que tem uma brasileira no vocal) e PM Dawn.
Ainda sobre se repertório, mencionou sua participação em Whats Goin On, regravação de um clássico de Marvin Gaye por vários artistas pop atuais e organizada por Bono Vox, vocalista do U2. Segundo ela, após se babar elogiando o altruísmo do astro irlandês, quando Bono convida, tens que dizer sim. Explicou que foi uma passagem rápida pelo estúdio, em um intervalo entre o MTV Awards do ano passado e sua agenda normal de shows. Fez rapidamente uma rima para incluir hip hop na sua participação e gravou, tudo em quinze minutos.
Por fim, afirmou sentir-se nervosa pela responsabilidade de fazer um show no Brasil, país de onde tirou grande parte de sua influência no campo musical.
O Show
O DirecTV Music Hall, reuniu a fina bossa da juventude paulistana nesta segunda feira, 6 de maio... bem, a fina bossa feminina da juventude paulistana, mais um carreto de pais, irmãos, primos mais velhos e namorados temporões. No fim, era o público que se espera para um show destes.
Eu nunca tinha entrado ali. Então, cabe registrar que o lugar é uma Meca do Capitalismo. Há propagandas por todo lado e uma assepsia que chega a dar asco de tão certinha. E o que é pior: a Schincariol custa quatro pau... quase perguntei a que horas começava o strip-tease...
O show em si, na sua maior parte, sustenta-se em uma base de baixo e bateria pesadíssimos em downtempo enquanto dois teclados, uma pickup e uma guitarra ajudam a cantora e sua backing vocal a construir as melodias.
Com uma banda bastante competente, a coisa funciona e cria um clima perfeito para que as pessoas dadas ao estilo se divirtam.
Os músicos formam um capítulo à parte.
Com toda a cara de banda de apoio profissional (e é o que são, afinal), deixam o palco parecido com um show de sósias bizarros. O baixista é igual ao The Rock, da luta livre e dos filmes da Múmia; o tecladista é o próprio Flávio Venturini, do 14-Bis (aquela banda mineira do zabelê zumbi besouro... lembram ou eu estou ficando velho?); e o guitarrista é uma mistura estranha de Vinny com Dolph Lundgren (o Justiceiro do cinema); sem contar um sujeito bizarra, um baixinho folgado que parece o John Leguizamo. Ele entra de tempos em tempos no palco só para dançar e alegrar a galera. Funciona como um bobo da corte, um Jar Jar Binks (e tão inútil quanto).
O estilo?
O clima ganha muito com a simpatia incondicional da canadense, sempre dando as mãos para a platéia, conversando e rindo francamente. Com certeza, ela é, afinal de contas, o Sílvio Santos das cantoras pop atuais. Se continuar a não se levar a sério, tem tudo para se tornar o grande nome da música adolescente nos próximos anos.
A estrutura das músicas e o set list foram profissionalmente arranjados para manter o povo em pé todo o tempo. Até os momentos lentos foram intercalados a fim de descansar a platéia e prepará-la para a adrenalina que viria depois.
Jogando para a torcida, a garota alternou músicas de menor alcance popular, como o fado Onde estás?, com chavões do populismo - Im Like a Bird e Turn Off The Lights, Get Your Freak On, de Missy Elliot, trechos de Hey Baby, do No Doubt e Whats Goin On, de Marvin Gaye. Esta última recentemente veio à tona trazida por Bono - o bonzinho - e seu exército de popstars. Houve ainda um set de festinha, onde o DJ comandou o som, dando a deixa para todos os integrantes da banda - é claro, o bobo da corte também - pularem e se divertirem no palco.
Não fiquei para o bis - tenho que terminar de escrever esta resenha e dormir cedo, ora bolas! - mas posso afirmar, sem sombra de dúvida, que Nelly Furtado é nome grande no pop mundial e tem cacife pra crescer ainda mais. Para quem gosta do estilo, é um prato cheio. Para quem não gosta, ainda assim é divertido.