Peter Criss inseriu o cano da sua Magnum .357 na boca numa tarde de 17 de janeiro de 1994, na Califórnia, sob os escombros do grande terremoto de Northridge - para alívio dos leais fãs do Kiss, ele desistiu de puxar o gatilho. O episódio abre a biografia Makeup to Breakup – Minha Vida Dentro e Fora do Kiss, do lendário baterista conhecido por incorporar o Catman (homem-gato), talvez a alma da banda marcada pelo pragmatismo de seus donos, Paul Stanley e Gene Simmons.
make-up
Natural de uma família de italianos e irlandeses, Peter Criscuola nasceu em 1945, no Brooklyn, Nova York, e por lá cresceu. Nos anos 1950 e 60, enfrentou os problemas comuns aos jovens da região, envolvendo-se com gangues, levando surras, se metendo em todo tipo de encrenca com gente barra-pesada, até encontrar na bateria um objetivo pelo qual lutar. Recebeu apoio da família e mergulhou nas baquetas, contando com um empurrãozinho de seu ídolo Gene Kruppa.
"Baterista disponível topa tudo", dizia um anúncio na revista Rolling Stone no começo dos anos 1970, que despertou a curiosidade do baixista Gene Simmons. O primeiro encontro entre Gene, Paul e Peter deu liga, e a formação original do Kiss, considerada a melhor por boa parte dos fãs, se completou com a chegada do guitarrista Ace Frehley. A banda se tornou mundialmente conhecida por suas maquiagens estilo kabuki, atuações teatrais e shows recheados de pirotecnia.
Desforra
Lá pelo meio do livro, lembrei-me do que falou há alguns anos meu amigo Maurício Martins. "Peter Criss é o cara do Kiss com quem eu gostaria de tomar uma cerveja no boteco", disse ele, certo de que ouviria boas histórias e daria muitas gargalhadas. Verdade, Maurício, a biografia tem grandes momentos e causos de rolar de rir, mas o revanchismo e o ressentimento contra Paul e Gene muitas vezes jogam por terra a aura de boa-praça do nosso herói mascarado.
Claro que os dois líderes do Kiss estão longe de ser uma encarnação do Dalai Lama, mas o julgamento impiedoso de Criss faz o leitor questionar se muito do que é contado no livro não reflete uma esquizofrênica mania de perseguição. Sim, a autopiedade aparece na narrativa com muito mais frequência que o mea culpa.
Paul é tirano e bissexual? Gene um porco misógino? Ace porra-louca e traidor? Convenhamos, mesmo que isso tenha porcentagens de verdade, é difícil confiar no diagnóstico de alguém que passou quase duas décadas consumindo todo o pó que um nariz pode aspirar. Gene e Paul sempre foram movidos a dinheiro, fato, mas o pulso firme da dupla garantiu a continuidade da banda que, entre altos e baixos, completará 40 anos de estrada em 2014.
Peter Criss praticamente cavou sua demissão em 1980, quando ainda era aclamado pelo maior sucesso comercial do Kiss, a balada Beth, de 1976. Sua instabilidade emocional, o abuso de drogas e um casamento desastroso o fizeram torrar uma fortuna de quase US$ 20 milhões em pouco mais de uma década. Catman era capaz de desembolsar US$ 5 mil para comprar drogas em apenas uma noite. O homem-gato estava desafiando a sorte dia após dia.
Sete vidas
A autobiografia de Criss é coassinada por Larry "Ratso" Sloman, responsável pelo sucesso O Rei da Baixaria, de Howard Stern. Os pontos altos são as histórias de bastidores da banda e o humor apurado pelo qual Criss ficou conhecido, mesmo nos momentos de tensão, rindo da própria desgraça, como na sua primeira noite em uma clínica de recuperação. "Na hora do jantar, serviram rosbife. Mas não deram facas para comê-lo. Você tem ideia do que é comer rosbife com uma colher de plástico?". Os pontos baixos são chororôs recorrentes e os ataques aos ex-companheiros, merecidos ou não.
Peter Criss sobreviveu a tudo: gangues, mafiosos, comportamento autodestrutivo, bebidas, drogas legais e ilegais, sexo de alto risco, doenças, acidentes de carro e até terremoto. Sobreviveu a Paul Stanley e Gene Simmons. Sobreviveu dentro e fora do Kiss. Mesmo sem a maquiagem, Peter sempre será o homem-gato.