Música

Entrevista

Lucy Rose | Como shows organizados por fãs mudaram sua ligação com a música

Artista excursionou pela América Latina durante dois meses tocando gratuitamente e em locais inusitados

09.05.2017, às 19H18.
Atualizada em 09.05.2017, ÀS 20H04

Lucy Rose criou uma ligação forte e realmente única com os países da América do Sul e óbviamente com o Brasil. A cantora inglesa, de 27 anos, após finalizar a turnê européia e norte-americana de seu segundo disco (Work It Out) em 2016, percebeu que existia uma grande procura de fãs do México e da América Latina por seus shows. Após dificuldades com seu manager para agendar shows por aqui ela resolveu tocar pelo continente nas cidades que seus fãs conseguissem agendar shows pra ela.

 

Tudo começou com um post no Facebook e então ela partiu para uma viagem de dois meses na qual apresentou suas músicas, ficou na casa de fãs e tocou em locais inusitados, como uma lavanderia em São Paulo (onde reuniu um público de 1200 pessoas na rua), ou um apartamento no Uruguai.  Lucy agora está de volta ao Brasil para lançar o documentário sobre essa experiência e também mostrar as músicas que compõem seu terceiro álbum (Something’s Changing) que chega às lojas no dia 14 de julho e de acordo com a cantora tem ligação direta com a viagem e as mudanças que esse contato próximo com os fãs rendeu para sua veia artística.

 

Rose retorna agora ao continente, não só com novas músicas, mas também com o documentário que parte de seu trajeto com shows gratuitos por diversos lugares do México, Brasil, Argentina, Uruguai entre outros países. Um dia antes da nova apresentação em terras paulistanas, a artista conversou com o Omelete e falou sobre as mudanças geradas pela viagem na sua forma de criar e também na confiança como musicistas, entre outros tópicos - leia abaixo.

 

Rose talvez pode não parecer a típica pessoa inglesa que você imagina encontrar no país da rainha. Fora seus cabelos ruivos e a pele superbranca, ela é sorridente e comunicativa.  e recebe o Omelete sorrindo em um escritório de uma gravadora em São Paulo. E claro com toda essa história realmente única que a liga com o Brasil, de entrada ela confessa que a viagem que ela realizou em 2016  a mudou muito. “Eu acho que essa viagem foi a coisa que mais me mudou em toda a minha vida”, destaca. A artista de 27 anos comenta ainda que todas as pessoas incríveis que conheceu, e também a possibilidade de conviver com seus fãs só aqueceu seu coração. “A generosidade das pessoas me fez acreditar no mundo de novo, na bondade e também acreditar na música”.

 

A crença na música foi restaurada após um período no qual ela viveu esse segmento como um negócio. “Quando a música se torna um negócio, você pode ser esquecer o porquê de estar fazendo isso”, afirma. Mas ela segue contando que  o processo de “Passar oito semanas fazendo shows gratuitos, conhecendo pessoas e expressando minha música, me fez lembrar porque a música é algo tão importante no mundo e porque todos nós amamos música. Mas eu acho que o documentário conta essa história melhor do que eu”, enfatiza a cantora comentando sobre o projeto que recebe o mesmo nome do disco, Something´s Changing.

 

Rose também enfatiza que a viagem definitivamente a fez recordar das coisas que são mais importantes na vida e focar na música. “Este novo disco tem muita auto descoberta. No meu último disco (Work it Out) eu achei que já tinha entendido tudo, era o segundo disco… Então, fazer essa viagem… Eu me sentia tão vulnerável, pegando ônibus, sem maquiagem, uma mochila, cinco camisetas. Não era sobre a forma como eu estava ou todas essas coisas, sabe? Se o equipamento seria incrível, se as luzes estariam incríveis, eu não tinha minha banda de apoio. Tudo isso foi tirado de mim e tinha um grupo de pessoas que vinham me ver tocar, só eu e meu violão… Era tudo sobre a música e o significado disso. Então eu acho que este novo disco é sobre isso”.

 

Sem gravadora

Rose gravou seu novo disco em Brighton, uma pequena cidade na Inglaterra, com músicos locais e em um estúdio mantido pelo produtor Tim Bidwell em sua própria casa. Sobre isso, ela comenta que gravar tudo em 17 dias somente com o básico foi reflexo da confiança conquistada durante a viagem. “Ganhei confiança em mim e no meu violão. Ganhei mais confiança na minha composição também”. E segue justificando que anteriormente acreditava que as pessoas gostassem  e quisessem ouvir músicas felizes e pop, “Mas em todos os lugares em que me apresentei as pessoas pediam pra eu tocar “Shiver” e “Night Bus” que são músicas mais calmas e emocionais. E você sempre pensa que as pessoas não querem ouvir isso, sabe? Então, eu fiquei meio: ‘Sério é isso que vocês querem de mim?’. E é isso que eu vou fazer, já que eu gosto de escrever esse tipo de música, e me expressar dessa forma”.

 

Em consequência dessa nova proposta sonora, Lucy aproveitou o momento sem gravadora e partiu para essa cidade fora de Londres para gravar e essa atitude funcionou como um alívio de pressão. “De repente eu não tinha uma gravadora, nem agente. Eu comecei a me agenciar e custear meu disco por conta própria, isso significou retirar toda a pressão. Você não precisa fazer um álbum maior, não precisa de mais dinheiro. Isso foi feito para as pessoas que eu conheci na viagem, eu me senti fazendo coisas bacanas e com as pessoas pedindo para que eu escrevesse outro disco… Eu estava olhando para um horizonte maior e agora estou fazendo algo mais pessoal e isso me fez relaxar. Eu fiz música, me senti ótima, me senti feliz… Fazer isso em uma cidade pequena, na sala de estar de alguém, sem ser um grande estúdio e com todo o resto desaparecendo”. E claro, quando se fala em menos pressão, nem mesmo a pressão das vendas pode alterar a vontade de gravar algo. “Uma das coisas engraçadas que pensei foi, quem se importa se isso vai vender, sabe? Então, de repente eu estou aqui de volta, com pessoas me entrevistando e isso é realmente surreal? Eu não esperava isso”.

 

Sobre as apresentações na viagem e o retorno ao Brasil, Lucy faz questão de relembrar como foi “ incrível ver tantas pessoas vindo pra te ver tocar. Eu não consigo acreditar em tantas histórias de pessoas que foram ver o show… Eram tantas pessoas querendo ajudar e como foi incrível ver tanta gente querendo ajudar e eu não entendia o porquê. ‘Por que, gente? Por que vocês estão me ajudando agora?’. E agora voltar aqui e dizer pra esses fãs que eles são importantes em países que diversos artistas não vão. Países que artistas não aparecem para mostrar suas músicas e as bandas não fazem o esforço pra chegar… Eu sinto como se eu tivesse feito um esforço tão pequeno só para vir aqui e fazer um show e agora eu estou de volta. É simplesmente incrível”.

 

O novo disco

Em entrevista recente, Lucy comentou que esse próximo disco, pela primeira vez fez com que ela se sentisse fazendo algo que realmente a representa. “Eu encontrei meu som e agora quero fazer isso de novo, de novo”... E sobre esse detalhe, ela comenta que é como se ela se sentisse completamente diferente. “[Agora] Eu me sinto completamente no controle de ser eu mesma e estar no comando de uma história, porque essa história vem de um pequeno ideal que eu tenho. Sabe, quando você acredita nas suas ideias, mas você duvida de você mesmo? Você ama a arte que você faz, você mostra, mas você duvida? Por que as pessoas colocam as dúvidas na sua mente. E quando você está na indústria musical, na parte do business, isso te faz duvidar de você mesmo, e pensar se alguém realmente precisa disso tudo… Então resolvi simplificar tudo. E quando eu falo tudo, eu falo simplificar a vida, simplificar tudo mesmo. Me reconectar com quem eu sou e cavar fundo para redescobrir quem eu sou como artista e sentir orgulho disso. Eu fico pensando que o meu novo disco é meio country, folk, e isso não é tão cool. Ninguém vai querer ouvir porque todo mundo quer coisas modernas e eletrônicas. Mas fazer essa viagem e tudo mais, me fez perceber que muitas pessoas querem isso. Então, eu acho que esse encorajamento por parte das pessoas, fez com que o disco seja a uma representação real do que eu sou, me fez acreditar em mim mesma, pela primeira vez, acreditar em mim de verdade!”.

 

Brasil e as lembranças

Sobre sua primeira visita ao Brasil e principalmente sobre o show na lavanderia ela diz que algo que realmente a marcou foi uma tatuagem que ela ganhou assim que acabou a sua apresentação. Mostrando o pulso ela comenta, “Assim que o show terminou surgiu uma pessoa que fazia tatuagens e era vizinho do local onde eu estava tocando. Ele disse que queria agradecer pela música. ‘Já que você tocou de graça e deu a sua arte gratuitamente eu também quero dar a minha arte’. Essas são daquelas coisas que você não pode dizer não. Então eu pensei: ‘Beleza, acabei de ter uma das experiências mais loucas da minha vida e eu quero me lembrar disso’”.

 

Sobre o fato de se apresentar para 1200 pessoas na rua, na sacada de uma lavanderia, Rose fala que mesmo com as pessoas dizendo que foi um dos melhores shows que elas já viram, ela não sabe dizer muito a respeito, principalmente porque ela também era responsável por cuidar do som entre outros detalhes.  “Eu costumo me preocupar demais com tudo, sabe? Eu consigo me ouvir? Tô cantando afinada? Todas essas coisas que eu tive que deixar de lado quando eu toquei  na lavanderia, porque eu não conseguia ouvir nada, a não ser todas as pessoas cantando com vontade e fazendo o backing vocal. Nesse dia tinha um rapaz próximo a mim segurando uma caixa de som sobre a cabeça. Foi uma bagunça total, mas foi a melhor bagunça e foi a coisa mais incrível”. Ela encerra a conversa comentando que da última vez que esteve no Brasil conseguiu ir a lugares bacanas. “Fomos a um prédio no centro da cidade para olhar ver São Paulo e também comi moqueca. Eu sempre mantenho minhas atividades ligadas a comida e nós vamos, com certeza, comer mais moqueca desta vez”.

 

Lucy Rose se apresenta nesta terça-feira no Centro Cultural Rio Verde.  Lá ela deve mostrar um pouco de seu repertório e também o documentário contando sobre sua viagem pela América do Sul.