Música eletrônica cafona, sim senhor
Sucessos que o mundo esqueceu - Saara Saara
Em tempos de carnaval generalizado, como nestes últimos dias, nada melhor do que ir contra a maré dos blocos de rua e falar de algo completamente avesso ao batuque. Sai a música orgânica dos surdos e cuícas, entra o som controlado de botões e sintetizadores.
Vindo de Niterói, o duo de música eletrônica Saara Saara é o que pode ser chamado, hoje em dia, de banda cult. Projeto criado pelos músicos Servio Tulio e Raul Rachyd em meados dos anos 80, foi destaque no underground carioca e fez sucesso com suas fitas demo nos tempos de ouro da Fluminense FM (aliás, as gravações dessa época estão disponíveis em mp3 no site da dupla).
Depois de quase uma década no limbo - ou "evaporados", como eles próprios dizem - o Saara começou seu retorno no início dos anos 2000, mas sem estar atrelado a essa pentelhice de revival oitentista que rola por aí.
O primeiro disco de verdade chegou em 2003, via parceria com a carioca Astronauta Discos. De título irônico, mas verdadeiro, Sucessos que o mundo esqueceu tem 14 faixas, boa parte resgatada das antigas demos e re-processada.
A produção eletrônica nonsense da dupla não cabe em um rótulo definido, apesar de esbarrar em muitos. Os maiores momentos são de puro synth pop (estamos falando de anos oitenta, certo?), embarcando numa viagem à la Devo ou Sigue Sigue Sputnik, mas há também ecos techno e de krautrock.
As canções, cantadas pela voz empostada de Servio Tulio, levam as bases a outros patamares, misturando uma variedade de ritmos não eletrônicos. As letras, inspiradíssimas, também carregam no surrealismo kitsch (anos oitenta, anos oitenta).
Em meio a samples aqui e ali, as temáticas são quase sempre sobre a tríade futuro-espacial-tecnológica - como em "Veículos", "Quarta dimensão", "Bip" (diálogo entre o narrador e sua secretária eletrônica), e "Deus ex machina" (sessão de descarrego evangélico-eletrônico). Em outro momento, o disco traz manifesto de aparelhos de tevê ("Senhor, nós temos fome", diz a letra) em faixa que batiza o grupo.
Cabem ainda uma quase-ode a Tóquio, uma parábola egípcia sem sentido ("Allamistakeo") e um apanhado que brinca com o som da letra X, além das duas pérolas maiores do disco: "Carta corrente", que ironiza aquelas clássicas cartas que chegavam anônimas pelo correio, e a cafoníssima "Amar é chique". Um ótimo pacote.
Canções que o mundo esqueceu é uma brilhante cápsula da criatividade oitentista. Nada mais moderno, portanto.