A organização reavaliou o cronograma, o público rezou – os artistas provavelmente também – mas não teve jeito: a chuva se transformou no personagem coadjuvante que quase roubou a cena dos shows do festival F1 Rocks, realizado no dia 5 de novembro, no Jockey Club de São Paulo.
Eminem
Quase porque tanto a estreia do rapper Eminem em solo brasileiro quanto a dedicação das bandas de abertura foram notáveis. Marcelo D2 fez uma apresentação redondinha, sem grandes surpresas e comercial na medida certa. Houve quem defendesse que a abertura deveria ter sido do Racionais MCs, mas vale lembrar que Eminem – com mais de 80 milhões de cópias de álbuns vendidos nas costas – não é Tupac Shakur, e a escalação privilegiando o viés mais pop do rap foi acertada, especialmente quando se leva em consideração o público, que pagou de 150 a 500 reais, e o local do festival, o elitista Jockey Club de São Paulo.
O N*E*R*D (No-one Ever Really Dies), do queridinho do black estadunidense Pharrell Williams e Chad Hugo, não justificou o hype e, com um líder esforçado, porém desconfortável, no comando do combo, mostrou que seu som não tem a mesma força em cima do palco. Una-se a isso o pouco tempo da apresentação, com faixas como "Everyone Nose (All the Girls Standing in the Line for the Bathroom)", "She Wants to Move" e "Lapdance", e a passagem da banda por São Paulo se reduziu a uma reles lembrança que ainda precisa ser concluída. Fica a torcida para que eles voltem em condições e harmonia melhores.
Como se estivesse à espreita, só esperando o momento ideal para se manifestar de maneira estrondosa, a chuva, contornável até então, veio com tudo no exato instante que Marshall Bruce Mathers III a.k.a Slim Shady a.k.a Eminem pisou no palco para abrir seu show com "Won´t Back Down", de Recovery, disco de junho deste ano, que marca a volta de Eminem aos trilhos depois de um período conturbado na vida pessoal e profissional. Mas o rapper segurou o rojão com pompa e maturidade, sem nenhum indicativo de estrelismo, e, como que em respeito às três alcunhas – e personalidades – não deixou o passado de lado, ainda que, hoje, confessadamente reserve um olhar arrependido em relação a muito do que ficou para trás.
De maneira inteligente, Eminem e sua respeitável banda de apoio desfilaram hits dos álbuns mais importantes da discografia, desde o primeiro comercialmente relevante, The Slim Shady LP, ao mais recente, Recovery. Em outras palavras, são oito álbuns (uma trilha sonora) que geraram mais de uma dezena de singles, e, de maneira engenhosa, no show, as músicas engatam uma na outra, com direito a medley e pouco espaço para "trabalhar" faixas novas. Ciente de que em quase 15 anos de carreira esta é primeira vez que vem ao Brasil, Eminem parece ter pensado simplesmente em agradar. Dito e feito.
Simpático à própria moda – pense em alguém que você provavelmente nunca viu sorrindo – o ensopado rapper troca poucas palavras com a plateia, mas não precisa se esforçar muito para ver todo mundo acompanhá-lo. Não que isso o detenha. Eminem exibe fôlego admirável até mesmo para um rapper, não larga o microfone enquanto sapateia em poças d´água, cantarola sem soltar a voz nas partes que não lhe competem, bate no peito e mostra uma harmonia silenciosa com a banda, que responde de forma quase reverente.
O resultado é que, ao vivo, a fidelidade aos álbuns de estúdio é surpreendente. Raras exceções são a fortíssima "Stan", que originalmente conta com a participação da britânica Dido e ao vivo perde bastante do brilho, e "No Love", com o inusitado sampler de "What Is Love", da banda pop farofa Haddaway, que perde um bocado da graça. "Love the Way You Lie" e "Not Afraid", de Recovery, e "Without Me" e "Cleanin´ Out My Closet", de The Eminem Show, vêm com força redobrada, mas é em "My Name Is", do longínquo The Slim Shady LP, de 1999, que o público mais se entusiasma e prova que não é de hoje a fascinação que tem pelo rapper. The Marshall Mathers II recebe atenção especial, talvez por ser o álbum mais alto-astral e que tenha definitivamente lançado Eminem ao estrelato, e é principalmente com músicas do disco que o rapper monta um divertido medley.
Atendendo a pedidos ensurdecedores de "Lose Yourself", da trilha sonora de 8 Mile – Rua das Ilusões, Eminem volta para o bis e brinda o público com uma versão editada da faixa. O horário estipulado para o show acabar tinha que ser respeitado, os artistas não puderam apresentar tudo que gostariam, a chuva foi inclemente, mas o profissionalismo do rapper fez valer a noite e torcer para que, na próxima vez, ele venha para se apresentar por bem mais que 70 minutos.