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Crítica

Random Access Memories - Daft Punk | Crítica

Volta no tempo sem revolução

15.05.2013, às 18H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Daft Punk era sinônimo de vanguarda. Era, porque com Random Access Memories, a dupla francesa mescla o que há de mais orgânico no pop atual à gênese da dance music, mudando pouco o cenário da música eletrônica - estilo que ajudou a consagrar e modificar nos últimos 20 anos. Não há revolução neste quarto disco do grupo, mas uma seleção de faixas produzidas com raro esmero, que soa mais aprazível aos ouvidos desavisados do que aos sedentos por um novo modelo de e-music.

Desde sua concepção (pautada por colaboradores renomados, em sua maioria vindos de escolas musicais setentistas) até o formato (pincelado com baladas românticas, singles com refrões agradáveis e pegajosos, além de alguns arranjos épicos), Random Access Memories parece mais um álbum de pop refinado do que um experimento eletrônico do naipe de Discovery ou Human After All. As extensas 13 faixas selecionadas compõem um conjunto que soa como ótimo resgate de um som retrô e dançante, abaulado pelo frescor dos ritmos vigentes na cena atual.

A proposta se sustenta com perfeição em, pelo menos, dois terços de suas canções. "Giorgio By Moroder" e "Contact" trazem a mistura exata entre a identidade revolucionária do Daft Punk e um arranjo novo e impecável - com distorções e sintetizadores suaves, que inexplicavelmente soam reconhecíveis logo nos primeiros minutos. A sensação de escutá-las é como se há tempos o som já tivesse sido mostrado e estivesse adormecido no subconsciente; para então ser despertado por um groove moderno, limpo, inspirado em alguma discoteca da década de 1980.

Random Access Memories traz outras duas pérolas que, apesar da perfeição técnica e conceitual, não carregam consigo a marca do Daft Punk em uma primeira impressão. "Get Lucky" e "Fragments of Time" são o teor orgânico do álbum em seu estado mais puro. Desde os vocais de Pharrell Williams e Todd Edwards, até a bateria de John Robinson e a guitarra impecável de Nile Rodgers. Não só há pouco do Daft Punk nestas faixas, como também da música eletrônica em si - o resgate proposto é tão efetivo e extenso que não há espaço, de fato, para ritmos ou incursões diferentes. Além destas, a presença de faixas como "Give Life Back To Music", "Instant Crush" e "Lose Yourself To Dance", faz o álbum se consolidar como um exemplar perfeito de um eletropop bem produzido.

Tal cuidado com a produção trabalha contra e a favor de Random Access Memories. Por um lado, evidencia o acerto em faixas feitas com rara felicidade como "Giorgio By Moroder" e "Get Lucky". Em outros momentos deixa exposta a falta de inspiração, apesar da perfeição técnica mostrada a cada nota. Em "Touch", por exemplo, uma das baladas do disco, a bela mistura de metais, sintetizadores e coral não são o suficiente para impressionar. O mesmo acontece com "The Game of Love" e "Within", ambas dispensáveis em um álbum que inevitavelmente perde ritmo neste ponto. 

A maior virtude e o maior defeito do álbum está em não ser um disco de e-music; em trazer a conhecida proposta retrô com uma cara mais limpa, bem construída e montada por quem domina os ritmos apresentados; em não tentar mudar a saturada cena eletrônica e buscar um conceito diferente; em soar tão natural quanto os chiados de LPs dos anos 70 e 80. Todos estes são pontos de conceitos discutíveis, mas que se tornam irrelevantes frente à qualidade final do álbum. No fim, Random Access Memories é uma volta no tempo de produção impecável, um disco tão bom quanto os primeiros trabalhos da dupla, mas que carece sua tradicional identidade revolucionária.

Nota do Crítico
Bom