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Crítica

Jay-Z - 4:44 | Crítica

Rapper é um ser humano real em novo disco que aborda traição, dinheiro e segredos de família

05.07.2017, às 15H47.
Atualizada em 05.07.2017, ÀS 16H04

Tudo leva a crer que Jay-Z resolveu mostrar seu lado humano em 4:44, 13º disco da carreira. Com um projeto que salta aos ouvidos graças à maneira como o rapper se abre e desconstrói a imagem de intocável-blindado, o norte-americano aposta nas palavras para chegar em um novo ponto de sua carreia. Com álbum focado nos falantes de sua língua, o rapper conta momentos particulares de sua vida, sai da zona de conforto e aposta em um trabalho à moda antiga, com apenas um produtor para todo o disco - NO I.D. (conhecido por seu trabalho em alguns clássicos do rap e ex-mentor de Kanye West). E essa parceria parece ter garantido a Jay uma conversa honesta com seu interior e também com sua música, sem que fosse necessário apostar para um punhado de participações e, acima de tudo, mostrando uma sonoridade mais próxima dos grandes discos do segmento que tem redefinido a forma de criar sonoridades.

Logo de entrada, é evidente que sua música está menos focada em drops e graves expressivo, o que leva a atenção do ouvinte para o storytelling e para as colagens sonoras, realizadas para manter o foco de quem ouve ligado ao que realmente importa: As agruras de ter traído uma das mulheres mais importantes de todos os tempos, lidar com seu ego, os problemas com West, segredos de família e se mostrar mais próximo de um ser humano do que em qualquer outro momento de sua carreira.

Possivelmente, em um primeiro momento, 4:44 não deve causar um impacto tão direto como os últimos discos de Kanye West, justamente por não soar como um convite para ser ouvido em alto e bom som no rádio do carro, mas sim para tocar nos fones, para gerar reflexão e garantir a audição de cada detalhe criado pensando para refletir a vida de alguém que é visto como bem sucedido, mas que no fim das contas tem problemas muito próximos dos que nós temos. O rapper mostra que não pensou em criar um disco global, mas sim algo que o possibilitasse falar. No entanto, a mistura crua, direta e real que Jay-Z coloca em seu novo projeto ganha a alma - até mesmo dos não falantes do inglês - por ser (muito) honesto. (Leia-se honestidade sonora, sem truques, sem esquemas ou fórmulas pra te fazer colocar o disco no repeat). É como se cada recorte, cada palavra, cada colagem fosse capaz de mostrar o peso específico dentro do conceito da obra que Jay-Z entregou para seus fãs. Assim, o norte-americano se aproxima mais da base sonora de Kendrick Lamar, entrega uma carta a todos que importam ou deveriam importar em sua vida, mas mantém (ou reencontra) sua melhor forma de rimar e compor.

Como dito em review do Pitchfork, “Um dos maiores pensadores do rap redescobre sua precisão” e segue, “Os samples não são somente esteticamente bonitos, mas profundos no contexto, eles falam quando Jay está em silêncio, quase sempre dizendo o que ele não diz”. Como resultado disso você tem frases poderosas como “Quão bom é um ménage à trois quando você tem uma alma gêmea?”. Ou ainda a revelação - em “Smile” de que Glória Carter, mãe do rapper, é lésbica e precisou manter isso escondido por um longo tempo em sua vida adulta. E a informação é potencializada com o texto final da faixa na qual Glória fala sobre ter vivido uma vida nas sombras e que agora é a hora de ser livre, “Ame quem você ama, pois a vida não está garantida”.

Com Jay tocando em temas tão particulares de sua vida e deixando para trás seus versos falando sobre mulheres, dinheiro e ostentação, o rapper se mostra de verdade para os fãs, como alguém real, que parece estar aprendendo com os erros cometidos durante seus 47 anos e tudo por meio de um projeto pessoal, criado com atenção e sensibilidade.

Vale ainda a consideração de que dessa vez o artista parece não estar ligado ou preocupado com as necessidades/demandas comerciais, justamente por entregar uma criação sem uma faixa pensada para tocar no clube ou no rádio, detalhe que a Stereogum parece ter conseguido definir muito bem: “Ele fez um álbum curto, compacto e cheio de alma”. Por isso, sem dúvida, pode-se dizer que este é sim o melhor álbum de Jay-Z nos últimos dez anos. Mas, em todo caso, pode ser que ninguém fale sobre o disco daqui pouco tempo, isso não acaba com o fato de sermos "mais ricos com esse disco no mundo”.

Por fim, a nova obra de Jay-Z não foi terminada, já que ele ainda tem algumas faixas na manga que devem ser lançadas como parte da edição física do disco, mas isso não tira o mérito do rapper de chegar às pessoas com a sua versão mais próxima da realidade, livre das amarras comerciais - apesar da exclusividade para o Tidal - e que abre um novo caminho para seus próximos projetos - ouça trechos abaixo.

Nota do Crítico
Bom