Desde o lançamento do seu primeiro álbum, Adrenaline (1995), entre o crepúsculo do grunge e o amanhecer do nu-metal, o Deftones faz um som muito característico, unindo o peso dos instrumentais e a voz calma, quase sussurrante do vocalista Chino Moreno. O lançamento mais recente da banda, intitulado private music, mantém essa fórmula, contrastando momentos, sentimentos e músicas.
A abertura do álbum, e também primeiro single do trabalho, é “my mind is a mountain” - um soco no ouvido, servindo para anunciar o que vem pela frente e te lembrar que o Deftones ainda é o Deftones. É a sonoridade que esperamos quando damos play no disco, uma evolução daquilo que ouvimos e amamos em outros lançamentos da banda.
Os riffs do guitarrista Stephen Carpenter continuam tão pesados quanto há 30 anos, buscando um equilíbrio entre o simples e o complexo. A introdução de “departing the body” vai pelo primeiro caminho, enquanto “infinite source” traz distorções dignas do auge do nu-metal. Já a bateria de Abe Cunningham, alternando entre protagonista e coadjuvante, ajuda o álbum ao não soar monótono, emprestando impacto às canções quando é necessário. E há dois elementos essenciais que podem passar despercebidos: o baixo de Fred Sablan e os elementos digitais que o DJ Frank Delgado coloca no álbum. São eles que dão o escopo, a solidez e, principalmente, o elemento onírico que consagrou a banda.
De qualquer forma, é o vocalista e letrista Moreno quem rouba a cena. Mesmo passando dos 50 anos, ele ainda escreve sobre aflições que transcendem gerações, seja abrindo uma música com uma situação simples e identificável (“Podemos nos sentar em silêncio/Só na esperança de sobreviver aqui?”) em “ecdysis”, ou emulando um adolescente apaixonado em “i think about you all the time” ( “Embrulhado em sua calma e em seus braços”). Ele é a cola que une todos os elementos e dá sentido a uma banda que poderia soar estranha demais para o grande público.
O Deftrones, enfim, é um quebra-cabeça complexo, com seus erros e acertos ao longo dos anos - mas, aqui, ele se encontra em plena forma, com todos os músicos se encaixando perfeitamente sobre a batuta do produtor Nick Raskulinecz, que volta a trabalhar com a banda mais de uma década depois de Koi No Yokan (2012). É uma união de elementos muito distantes entre si, o metal e o shoegaze, mas que resulta num quadro elegante, refinado e visceral ao mesmo tempo.
Talvez seja justamente isso que atraia tanto o público mais novo para o Deftones, com o seu diferencial de expressar um grito entalado em música. Durante a maior parte da carreira, a banda comeu pelas beiradas da cena do metal, com um público fiel, mas sem furar a bolha como, por exemplo, o Linkin Park. Foi durante a pandemia que o Deftones explodiu com a geração Z, virando uma das poucas bandas de rock a ter sucesso entre eles.
Numa época em que as paradas estão recheadas com músicas feitas quase 100% em computadores, é bom ver uma banda mais analógica falando com um público novo, usando elementos familiares a eles, mas sem perder a essência. E para a minha geração, que cresceu com clássicos como “My Own Summer”, “Changes (In The House Of Flies)” e “Be Quiet and Drive (Far Away)”, é reconfortante ouvir um álbum que soa novo e nostálgico, que fala com você e com o estagiário de 20 e poucos anos do seu escritório.
private music não faz mudanças bruscas no caminho do Deftones - as músicas seguem intercalando momentos de fluidez, angústia, dor, raiva e esperança, como sempre fizeram. O que ele mostra é que, às vezes, não é necessário reinventar a roda. Basta fazer o que se conhece bem feito.