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Chris Cornell e o grunge

Aos 52 anos, o vocalista do Soundgarden deixa solto o bastão de um movimento musical inteiro

18.05.2017, às 21H29.
Atualizada em 18.05.2020, ÀS 12H39

Foi ali em cima do palco que nasceu o grunge! Um movimento musical que trazia no seu sangue a atitude punk e falava uma língua muito parecida com o rock dos anos 1970. Era como se ouvíssemos uma conversa entre Johnny Rotten e Jim Morrison musicada por Pete Towshend e Tony Iommi. Jovens que viraram homens em uma década abandonada pelas batalhas sociais começaram a se incomodar com o que lhes era imposto e resolveram colocar o mundo de cabeça para baixo. Desde as roupas que usavam até as migalhas de instrumentos que deixavam para trás ao fim de cada apresentação - tudo que faziam era uma constante luta contra o rock engomadinho e maquiado dos anos 1980.

Reflita aqui comigo. Nos anos 1940 e 1950 o rock nasceu em meio a um mundo que via a verdadeira luta do bem contra o mal, Hitler e seu eixo aterrorizavam a Europa e os jovens que iam para a guerra buscavam alguma forma de expressão musical que representasse o sentimento de batalha que explodia dentro deles - eles iam pra guerra ao som de rock'n roll. Depois nas décadas de 1960 e 1970, nos Estados Unidos, havia uma revolução psicodélica nas mentes da juventude que negava a guerra - agora escrita em solo vietnamita - e pedia direitos dos negros, gays e mulheres. Assim os longos solos de guitarra, a introdução de escalas orientais e as influências vocais barrocas e renascentistas deram luz ao heavy metal. Que contrastava com o punk inglês que via - na opinião dos adeptos - o "mal" surgindo nos olhos de algo que viria a ser chamado de globalização, o niilismo deu as mãos ao sarcasmo e juntos eles gritaram: FODA-SE O MUNDO! E vieram os anos 1980 com o glitter, a cocaína, Star Wars, McDonald's e Ronald Reagan. O mundo se curvou à cultura americana! E na música não podia ser diferente, o glam rock e o new wave fizeram um silencioso pacto de egocentrismo carnavalesco. Maquiagens, roupas espalhafatosas e poderosos riffs de guitarra eram todos os dias expostos na televisão que piscava centenas de cores por segundo nas vinhetas e propagandas da recém nascida MTV. A guerra fria, a queda do muro de Berlim e a ascensão de Pablo Escobar transformavam o mundo em uma salada mal temperada e sem molho.

Até que chegam os ano 1990 e a juventude está esmagada por um cobrança de ser revolucionária em um mundo ditatorial. A fome financeira transformou a indústria cultural em um fast food de produções. E ali, em um cantinho de Seattle, um jovem rebelde, chamado Chris Cornell, que adorava andar de calça jeans rasgada, camiseta e blusão de flanela amarrado na cintura, e que já era vocalista de uma banda com alguns LPs lançados, resolve homenagear um amigo morto e sem querer conhece um outro cabeludo também cheio de ideias que podem mudar o mundo... um tal de Eddie Vedder. Juntos, eles começam um movimento que mais tarde teria outros grandes nomes imortalizados nas camisas e ouvidos de toda uma geração. A música mostrava a insatisfação com a cobrança e as letras tentavam expressar toda uma indignação com a falta de espaço que havia para quem quisesse ser diferente do status quo. O vibrato na voz deixava claro os altos e baixos sentimentais que eram censurados pelo que mais tarde veio a ser chamado de "corrida dos ratos". O grunge se transformou no último bastião do rock'n roll. Depois dele, tudo que envolve guitarras distorcidas e a tal da "atitude" é nada mais do que uma cópia da cópia da cópia.

Hoje, no dia 18 de maio de 2017, nós, amantes da boa música, devemos chorar, pois estamos vendo a sentença de morte da última real revolução (e evolução) daquele que é o mais importante estilo musical do século XX.

Eu sei que ainda existem outros grandes e influentes rockeiros vivos e ativos, mas se você pensar que depois do grunge o rock virou pop e deste mesmo grunge só sobrou vivo o Eddie Vedder - e este mesmo Eddie Vedder está mais preocupado em salvar o planeta do que fazer alpinismo de palco. Talvez a morte de Chris Cornell represente o fim do rock'n roll como movimento. Ou talvez ela esteja apenas abrindo espaço para um alguém que vai tacar fogo no pop, mijar em cima do reggaeton, e encher de porrada a música eletrônica. E se não fizer isso tudo, eu agradeço se apenas me der de volta um pouco de rebeldia - porque hoje em dia está difícil!

*Texto publicado originalmente em 18 de maio de 2017