A faixa de abertura já chama atenção. Apesar de ser levada pelo clássico piano, Marshall abre a garganta, forçando um tom que não lhe é muito comum. Em alguns momentos, um sorriso parece estar ali, atacando sua voz.
A estranheza aumenta na segunda faixa, "Free", quando Marshall começa a fazer festinha na caixa de som. Aqui, ela já se acostumou com o sorriso e está visivelmente dançando enquanto canta, mesmo que timidamente. Uma bateria quase invisível faz o refrão parecer um B-52s sem o estrobo.
Dali pra frente, as canções dividem-se em duas linhas distintas. Algumas seguem o folk marcante que é o grande espelho da sua carreira, com gravação quase caseira e voz abafada, como em "Babydoll" e "Werewolf" (esta, cover do seu predileto Michael Hurley). O lado B são as composições com uma pegada mais forte, em que a bateria de Dave Grohl ocupa papel quase principal, como na dobradinha "He war" e "Shaking paper".
É o próprio Grohl, aliás, que assume o papel de condutor na maior parte das faixas que saem do mundinho de Chan. Além dele, Eddie Vedder faz uma "ponta" em duas faixas - incluindo aí a incrível "Good woman", que também traz o violino de Warren Ellis. Os convidados estão lá, mas mantém-se no cantinho da sala (como devem), sem roubar a cena.
Ao final do disco, não dá mais pra falar o que é "mais" ou "menos" Cat Power ali. A singeleza de "Names", em que ela canta sobre crianças que sofreram abusos com a maior desafetação do mundo, ou a marcação baixo- bateria-gritos de "Speak for me"?
O jogo de palavras no título do CD é uma pista pra esquizofrenia quase pacífica que é a cabeça - e a obra - de Cat Power. Primeiro agindo como um recado para a própria Marshall: "você está livre, gata. Ligue o foda-se e faça o que você quiser" - seguindo para um tímido selinho no canto do CD, mostrando que o álbum é "Cat Power free" e que, depois de cinco anos, ela pôde ignorar a sua carreira até ali e brincar com sua criatividade. No final das contas, porém, a previsível revelação está ali, falando diretamente a ela: "você é Cat Power, baby. Não vai conseguir fugir tão cedo".
Chan Marshall está livre, mas ainda mais presa ao que ela é realmente. E isso leva a dois caminhos óbvios: maturidade ou auto-destruição. Às vezes os dois juntos. Sabe-se lá onde Marshall vai parar.