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O cinema que manda a lei para aquele lugar

O cinema que manda a lei para aquele lugar

JP
07.03.2002, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42
Desrespeito às leis e violência estão de mãos dadas no cinema, especialmente no americano. E não venham dizer que filmes brincam, trabalham com ficção ou servem apenas para divertir. Há muito, sabe-se que o cinema copia a realidade, mas também a inventa e dita moda.

Depois de uma série de filmes que promovem a truculência e vingança pessoal (Stallone e Schwartzenegger dos anos 80) assistimos ao renascimento do cinema noir em plenos anos 90. Rambo e outros exterminadores eram reflexo do governo Reagan, ainda época de Guerra Fria. Todavia o que significava o renascimento da loira fatal de Instinto selvagem e do cruel e sedutor vilão em O silêncio dos inocentes&qt;&

A simultaneidade dos dois filmes – e seu grande sucesso – levam-nos pensar que o cinema que revelava facetas perversas, sexo a granel e desejos perversos havia retornado. Pequenas (ou grandes) contravenções que passam pela cabeça de todo mundo fizeram-se representar nestes dois exemplos. Quase ninguém imaginava que, de maneira subliminar, poderia haver um elogio ao delito. Quem poderia ficar contra Sharon Stone ou Anthony Hopkins&qt;&

A idéia se repete em Pulp Fiction. O filme é pura estética violenta, mas sangra de personagens e artistas famosos. Ditou a nova fase de John Travolta que, a cada filme, ajusta seu papel de bandido encantador. O diretor enrola muito bem o espectador com idas e vindas da narrativa, mas não consegue – e nem quer – camuflar que adora a violência. A sedução novamente vem pela sugestão de que o que a lei proíbe pode ser perversamente sensual.

TRUCULÊNCIA EM BAIXA

Ao mesmo tempo, velhos heróis do lema faça-a-lei-com-as-próprias-mãos têm mandado recados do desgaste deste tipo de heroísmo, zombando da antiga postura e anunciando a decadência física. Talvez o maior exemplo seja Clint Eastwood em inúmeros filmes inaugurados por Os imperdoáveis. O antes impossível de ser morto Bruce Willis também voltou a fazer comédias ou apareceu fragilizado em O sexto sentido. Mesmo quando retoma papéis violentos aparece como vilão em O chacal e Nova York sitiada. O próprio Mel Gibson também brincou com a masculinidade entre um e outro filme patriótico (agora a idéia de nação invade as telas).

Com a chegada do novo século, há uma enxurrada de filmes que se preocupam com a verdade, a ética e lei. O talentoso Ripley fala da amargura e solidão de um criminoso. O informante insiste na ética profissional, Beleza americana fala da banalidade e das mentiras de uma típica família americana. Em Erin Brockovitch, a encantadora Julia Roberts encara uma grande tramóia contra a ecologia.

SOB OS ESCOMBROS DE 11 DE SETEMBRO, A VIOLÊNCIA

Entretanto, rapidamente há algo de novo (ou requentado) no ar. Gladiador desfila com enorme sucesso em 2000 com o lema: justiça se faz mesmo é na porrada! Novamente, o herói solitário e truculento é exaltado, com o mais deslavado culto à personalidade do novo século até o momento. Russel Crowe esqueceu a ética de Los Angeles - cidade proibida e O informante.

A importância de Gladiator pode ser maior do que parece em um ano em que bandidos e mocinhos voltaram a existir na vida real. Os ataques de 11 de setembro, inicialmente anunciados como uma ameaça a Hollywood (ninguém mais gostaria de ver violência no cinema após o massacre ao vivo). O receio dos produtores não se confirmaram. Todo mundo correu às locadoras para rever Duro(s) de matar, Nova York sitiada e outras catástrofes apocalípticas.

O que vimos em seguida mostra que o cinema americano não se aquietou em seu anseio de mostrar destruição. Efeito colateral foi mantido na geladeira por menos tempo do que se esperava, talvez por requentar a figura do herói que novamente resolve tudo à sua maneira.

COMPLACÊNCIA DE CRÍTICA E PÚBLICO

Por coincidência alguns dos filmes lançados após setembro do ano passado falam de modo mais ou menos sutil que o negócio mesmo é esquecer a lei e resolver a tapas, sem intermediários, as desavenças com bandidos, terroristas ou até mesmo... nossos vizinhos. A senha, que bem ao estilo Matrix de filmar (puro e espetacular cinema-montagem) trata de uma briga entre simpáticos terroristas (nenhum deles sai perdendo) em que a polícia se limita a assistir. De novo, Travolta fazendo papel de Travolta pós-Pulp fiction.

Em O fabuloso destino de Amélie Poulain, filme francês americanizado, uma engraçadinha decide o que é bom para todos e age como os terroristas de A senha, só que “para o bem”. A filmagem mal disfarça uma violência quase explícita e estilizada em aceleradas aproximações que quase arrebentam a cara dos atores. Amélie Poulain Bin Laden!

Até o excessivamente longo e pretensioso Entre quatro paredes, que começa como uma trama sensível e carregada de boas interpretações, descamba, numa concepção de cinema-de-arte, para a vingança sem muitas explicações. Desculpa: a justiça americana não funciona. Só embalagem!

O que aconteceu com a crítica e público que, há pouquíssimo tempo, denunciaram a manipulação da realidade nos rivais Central do Brasil e A vida é bela&qt;& Na época, a escrevedora de cartas não angariou simpatias do público americano e o pai-palhaço que escondia fatos do filho em um campo de concentração foi denunciado como minimizador da dura rotina de guerra. Agora, no entanto, os americanos voltaram a ser bonzinhos, com direito a invadir qualquer país que julguem ameaça-los, e o cinema, sem dúvida, está aproveitando o atual espírito das coisas para nos empurrar obras que justificam a violência e o desprezo às leis.