Dilema curioso o posicionado pelo k-drama Madame Aema, da Netflix, logo por causa de sua premissa: uma ficcionalização dos bastidores do filme de mesmo nome, um clássico erótico de 1982 conhecido como o “Emmanuelle sul-coreano”, a série enfrenta o desafio de falar de sexo, e de sexo nas telas… sem mostrá-lo. Mesmo estando em uma produção original da Netflix, canal notoriamente mais aventureiro do que as emissoras tradicionais da Coreia, o diretor e roteirista Lee Hae-young precisa se contentar com sugestões, piadas de duplo sentido, um ou outro palavrão, e cortes inconspícuos para camuflar toda e qualquer nudez. É possível contar uma história sobre as políticas do sexo dessa forma? A resposta, veja só, parece ser sim.
Madame Aema abre em um avião - o único aceno a Emmanuelle que o primeiro episódio se permite -, onde a superestrela da tela grande Jeong Hui-ran (Lee Hanee, de Flor de Cavaleiro) recebe o roteiro do novo projeto do estúdio que a tem sob contrato. O problema é que o texto em questão, Madame Aema, está salpicado de cenas de sexo e nudez, com uma menção por página aos “amplos seios” da personagem principal. Hui-ran decide que basta, e usa a imprensa para se rebelar contra os desmandos do produtor Gu Jung-ho (Jin Seon-kyu, de Caçadores de Demônios), mas ele responde rebaixando-a para um papel coadjuvante, enquanto ordena ao patético diretor Kwak (Cho Hyun-chul, de Hotel de Luna) que reescale a protagonista do longa.
O capítulo inicial de Madame Aema se preocupa com as consequências desse desequilíbrio em uma relação até então harmoniosa, ao menos publicamente, e com a busca pela nova estrela da produção. Lee Hae-young, estreando na TV após sucesso no cinema com O Internato: Condenadas ao Silêncio, dá cores primárias aos seus personagens e se preocupa em aprofundá-los através dos relacionamentos que cultivam uns com os outros. Assim, se a estrela Jeong é de cara uma mulher fria e confiante, cheia de maneirismos aprendidos para agradar a câmera e os homens ao seu redor, até o fim do capítulo sua reação à chegada da novata Shin Joo-ae (Bang Hyo-rin, em performance de estreia magnética) sombreia esse retrato em tons mais interessantes. No fundo, postula Madame Aema, ela só precisava de alguém que igualasse sua ambição.
É, de fato, a cena final do episódio que estabelece esse pé de igualdade entre as duas protagonistas femininas, reexaminando a oposição entre elas e tentando entender como torná-las aliadas nesse indiciamento da exploração promovida pela indústria do cinema - e da cumplicidade de quem transformou Madame Aema em um sucesso tão gritante que rendeu dez (sim, dez!) continuações até 1995. Entre bobos e espertos, argumenta o roteiro, nenhum de nós é inocente. A mitologia que se construiu por cima da relação artista-musa pode torná-la tão abusiva, ainda que em subtons mais escondidos, do que uma relação empregado-empregador. Às mulheres que buscam realização resta se submeter a uma delas, ou a uma mistura de ambas.
É verdade que Lee parece mais interessado na política do “sexo vende” do que na moralidade da forma como ele é mostrado, artisticamente falando, mas não há pecado nisso. Dentro do que se propõe discutir, Madame Aema é inteligente como texto, envolvente como entretenimento, e ainda por cima um produto estético perfeitamente polido. Produzida com toda a pompa que a Netflix normalmente dispensa aos seus k-dramas de época, a série impressiona com uma reconstrução simples do início dos anos 1980, filtrada por uma lente que deseja glamourizar - mesmo que seja sem esconder as partes feias - a história do cinema sul-coreano como Hollywood sempre faz com o estadunidense.
O mais bacana é notar que funciona. Para quem se deliciou com Feud: Bette and Joan ou vive revendo O Artista, Madame Aema é um prato cheio.