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Korea
Crítica

Uma Grande Família busca (e encontra) espiritualidade nos ritmos da vida

Boa dramédia sul-coreana fala de ancestralidade e religião sem pesar a mão

3 min de leitura
03.10.2025, às 23H30.
Atualizada em 04.10.2025, ÀS 21H03

Créditos da imagem: Cena de Uma Grande Família (Reprodução)

Está enraizada na tradição ocidental a ideia de que a religiosidade ou espiritualidade necessita de um ambiente estéril para se desenvolver no espírito humano. Daí os votos de castidade de padres e freiras católicas, o silêncio observado em grande parte dos lugares de adoração, a obsessão por expiação de pecados que domina rituais de várias religiões deste lado do mundo, a conotação puritana que despejamos por cima do adjetivo “sagrado” em seus usos mais poéticos. Uma Grande Família, portanto, talvez exija um pouco de adaptação do público acostumado a tratar assuntos de religião, alma e ancestralidade com um peso que nem questionamos mais.

Como dirigido e escrito por Yang Woo-seok (mais conhecido pela franquia de ação Chuva de Aço), Uma Grande Família é uma inquisitiva e bem-humorada exploração de como as questões do espírito se encaixam no ritmo imperfeito e humano do nosso dia a dia. Na trama, Moon-seok (Lee Seung-gi) é um monge budista, reconhecido por toda a Coreia do Sul graças às suas aparições midiáticas para ensinar os fundamentos da religião de maneira leve e comunicativa. Seu pai, Moo-ok (Kim Yoon-seok), é o único que não parece estar feliz com isso, mais preocupado com a extinção do seu nome por conta do voto de castidade do filho - mas isso muda quando duas crianças aparecem no seu restaurante, clamando serem seus netos, e um detalhezinho do passado de Moon-seok na faculdade indica que isso pode muito bem ser verdade.

Uma Grande Família não tem medo de investir em comédia expansiva, tampouco, ao desenrolar uma premissa que muitos já considerariam sacrílega por si só. A rabugice cabeça-dura de Moo-ok, interpretada de forma brusca por Kim Yoon-seok (veterano do cinema sul-coreano, com papéis marcantes em O Caçador e Mar Sangrento), beira o infantil em sua adesão a rotinas repetitivas como forma de se proteger das turbulências emocionais de uma vida bem vivida. Enquanto isso, o exaspero de Moon-seok diante de seus “erros” do passado, e a forma como o próprio filme explora esse passado, exalam uma benevolência palpável - o diretor e roteirista Yang claramente está mais para “jovens são assim mesmo” do que para “este homem deveria ser expulso do templo”.

No fim das contas, Uma Grande Família está interessado mesmo nas curvas que direcionam cada pessoa em um caminho de encontro ou para longe da espiritualidade. Às vezes, o filme faz piada da trivialidade desses caminhos - o personagem do monge que vira “braço-direito” de Moon-seok é quase inteiramente baseado nessa mesma piada, o que surpreendentemente não se mostra irritante nem quando a metragem vai se estendendo. Às vezes, ele entende a gravidade dessas curvas, os silêncios traumáticos que se escondem nelas. Mesmo quando fala sério, no entanto, Uma Grande Família reconhece que estamos todos em processo de aprendizado, em todos os sentidos das nossas vidas, e os campos da alma não são exceção.

Tão acostumados estamos de ver figuras sacerdotais da ficção como guias de sabedoria ou avatares de subversão, a depender da intenção do artista, que pode parecer estranha a forma como Uma Grande Família mostra o budismo como algo muito mais alcançável: um caminho acidentado na direção da generosidade e da sabedoria. Mas é um estranhamento positivo, que funda essa dramédia tremendamente humana, e em última instância tremendamente comovente, em uma visão de espiritualidade que faz muito mais sentido fora dos corredores sepulcrais dos locais de adoração que grande parte de nós já abandonamos há muito tempo.

*Uma Grande Família foi exibido na 14ª Mostra de Cinema Coreano no Brasil, que ocorreu em junho, e no KOFF - Korean Film Festival 2025, que acontece em São Paulo entre os dias 2 e 8 de outubro. Confira aqui informações de programação e ingressos. Ainda não há previsão de estreia comercial para o título.

Nota do Crítico

Uma Grande Família

About Family

2024
106 min
País: Coreia do Sul
Direção: Yang Woo-Seok
Roteiro: Yang Woo-Seok
Elenco: Lee Seung-gi, Kim Sung-Ryung, Kang Han-na, Kim Yoon-seok