Mesmo não produzido pelo Tarsier Studios, responsável pelos primeiros games da franquia, e com algumas nuances que podem chamar a atenção de fãs de longa data, Little Nightmares 3 chega com a mesma essência de seus antecessores. Ainda que a Supermassive Games tenha conseguido traduzir quase todos os elementos que fazem de Little Nightmares o sucesso que é — o terror atmosférico, a sensação de miudeza, a tensão constante e as excelentes cenas de fuga — talvez na parte do puzzle de plataforma, outra área essencial destes jogos, eles tenham escorregado um pouco.
Bandai Namco
Quando a Six aparece no primeiro título, com seu rosto encoberto pela característica capa de chuva amarela e com uma história tão misteriosa quanto sua trajetória, a conexão com a personagem é quase instantânea. Perdida e aparentemente com fome, seu único objetivo parece ser se ver livre de um mundo tão sombrio e sórdido, e sequer questionamos quem ela é quando entendemos o que ela precisa. Com os dois amigos Low e Alone, protagonistas do novo game, a sensação é parecida, ainda que eles sejam menos indefesos que a Six. Low tem um arco enquanto Alone empunha uma chave inglesa e possui uma força extraordinária para alguém de seu tamanho.
Ao longo de seus quatro capítulos, o jogo nos insere numa ambiência opressora e tensa criada pela história sombria – é claro que não seria Little Nightmares se não houvesse inimigos gigantes e invencíveis te perseguindo a cada passo. Logo nos primeiros minutos já nos sentimos impotentes diante dos perigo – uma bebê gigante passeando de fundo que persegue os dois amigos por uma imensa necrópole; uma fábrica de doces cheia de figuras quase humanas e restos de doces espalhados por todo canto; um circo em que um show de horrores se desenrola de fundo e fantoches se divertem. No fim, eles se deparam com um instituto, abrigo de um gigante que desloca seus braços e pernas como se fossem cobras enormes pelos corredores.
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Essa atmosfera pesada de terror corporal, beirando o gore, é perfeitamente transmitida nesse novo título com as vistas assombrosas que povoam o caminho – figuras deformadas, corpos pendurados e eviscerados e criaturas famintas, dispostas a comer qualquer coisa que aparecer diante delas. Mas Little Nightmares não fez seu nome só com suas imagens gráficas peculiares, e sim por também trazer um gameplay criativo de plataforma com diversos quebra cabeças e soluções sutis. Uma característica bastante marcante para aqueles que jogaram a série desde o primeiro título é o quão pouco óbvias são as formas de interagir om o cenário, já que não há dicas visuais para indicar o que pode ou não ser movido.
Talvez seja nisso que a Supermassive mais falhe. Apesar de trazer várias opções de interação, especialmente nos objetivos extras, o time não ousou o suficiente com os desafios, e não manteve um comprometimento constante nos diversos objetos interativos presentes na aventura. Enquanto nos primeiros games, por exemplo, uma estante sempre pode ser usada para escalada, mesmo que não chegue a lugar nenhum, em Little Nightmares 3 a mesma estante que escalamos em um momento, pode não ser escalável em outro. Ela só é útil quando o jogo determina que ela precisa ser útil.
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Nos primeiros Little Nightmares, a sensação de incerteza criava caminhos sem saída e distrações para que o jogador explorasse e se perdesse, tentando encontrar saídas ao testar mais de uma maneira de solucionar o caminho. Sem essas distrações, muitas vezes o trajeto é óbvio demais, especialmente nos primeiros capítulos, quando além de previsíveis, os caminhos são quase sempre lineares.
Lá pela metade do último capítulo esses quebra cabeças se tornam um pouco mais complexos e desenvolvidos, chegando a um momento em que é até possível se perder no cenário. Mas, se por um lado algumas tarefas são demasiadamente simples, por outro, esse controle significa que as cenas de fuga são bem pensadas e dirigidas, esbanjando tensão e exigindo o tipo de precisão que vai além de uma tentativa casual. Muitas vezes, essas sequências duram mais do que somente uma sala, sendo preciso correr, desviar, pular, agachar e até tirar obstáculos pelo longo caminho. E aqui há outro ponto a se fazer; a IA do jogo ajuda mais do que deveria.
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Como é obrigatório que os dois personagens estejam sempre em tela, você terá uma IA para te ajudar caso não jogue em cooperativo. E é claro que essa IA já sabe tudo o que tem que ser feito, desde salas que são opcionais onde ela sequer vai entrar, até qual o caminho a seguir no meio de uma fuga desesperada. Outras pequenas dicas também vão surgindo no meio do gameplay, como locais nos quais ela interage automaticamente ou chamadas de atenção do jogador para resolver um problema. Mesmo assim, ainda há mistérios que ficam a cargo do jogador encarar, e momentos em que você precisará refletir antes de agir.
Pela natureza do jogo, Little Nightmares não tem chefes propriamente ditos, ou grande batalhas. Mas, como Low e Alone conseguem se defender mais do que a Six, algumas cenas de luta acontecem, e são bem-vindas. Esses combates oferecem um excelente equilíbrio entre habilidade de encarar inimigos e percepção para resolver puzzles, e combinam perfeitamente com a proposta do jogo. Sem entrar em muitos detalhes, podemos dizer que um dos poucos bosses reais – um que vem mais para o final do jogo – é um desafio interessante e até meio inesperado, mas que acontece de forma fluida e coerente.
Com tantas ressalvas levantadas, pode até parecer que a Supermassive não entregou um título que faz jus ao legado de Little Nightmares, mas a realidade é que os tropeços não chegam a interferir de forma contundente na experiência do jogador. Resumindo, os quebra-cabeças poderiam ser mais difíceis e a IA ajudar um pouco menos, mas de modo geral, Little Nightmares 3 apresenta uma sólida experiência gameplay e imersão atmosférica que fará com que qualquer fã da série se sinta de novo naquele mundo imenso tão opressor que fez da franquia algo tão único.