Há poucos momentos na vida de um jornalista de games em que sentimos receio de colocar palavras em uma página. Mas também há poucos momentos em que um jogo consegue desafiar todas as nossas expectativas e bagunçar tudo o que tínhamos imaginado do título. É difícil criticar um jogo brasileiro — ainda mais um que toca tão profundamente em questões tradicionais e culturais do nosso país — mas às vezes é necessário. Mas não é apenas de críticas que Gaúcho and the Grassland é feito, há diversos elogios que são necessários a esse título que vai para além do óbvio.
Divulgação/Epopeia Games
Primeiro é preciso relembrar a ideia do jogo: uma simulação de fazenda com aventura protagonizada por um cowboy sulista. Você é convocado por seu pai para restabelecer a ordem natural dos arredores do seu lar e em cada região é preciso derrotar um boitatá e reencontrar a figura lendária guardiã. O pretexto é simples, mas a forma como foi criada a história, a conexão com o nosso folclore e o desenvolvimento do gameplay junto à narrativa é bem mais interessante do que o esperado.
Ao começar, você pode escolher qualquer uma das três regiões do jogo, que podem ser desbloqueadas em qualquer ordem. Para enfrentar o boitatá, é preciso destrancar a entrada do labirinto auxiliando as pessoas do local e coletando essências. E é nesse ponto que o gameplay brilha, porque ajudar as pessoas é, não apenas divertido, mas também agradável e recompensador. Nem era preciso forçar o jogador a ser um bom samaritano e completar missões em cada região para fazer com que esse interesse fosse despertado. É instigante conhecer as pessoas da região, resolver problemas e conversar com todos. Esse processo é prazeroso, amigável e faz todo sentido dentro de um cozy game — já que é esse tipo de coisa que o jogador está procurando no gênero.
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Ao abrir o labirinto e enfrentar o boitatá, o protagonista vai precisar se aventurar no mundo espiritual para encontrar os guardiões, que estão com problemas e não conseguem voltar ao mundo material. Cada um desses guardiões é uma lenda do nosso folclore, que ao retornar a cada região, fazem os desequilíbrios naturais se estabilizarem e proporcionam a criação de uma nova vila. E claro, os moradores vão querer ter casas nessa nova vila e o jogador vai precisar juntar materiais, comprar terrenos e construir casas. O simulador de fazenda, então, vai para além do nosso próprio terreno, já que os moradores também precisam de nossa ajuda.
De modo geral, a mistura de aventura, com fazenda e cozy game funciona muito bem porque uma se apoia na outra e acaba instintivamente estimulando o jogador a completar as missões e explorar. E é nessa mistura tão acertada e orgânica que Gaúcho and the Grassland consegue superar as expectativas iniciais. Mas, claro, esse Review começou avisando que haveria pontos negativos e infelizmente há críticas pesadas a serem feitas.
Divulgação/Epopeia Games
Há uma falta de polimento generalizada, que vai desde coisas pequenas, como hitboxes que não funcionam direito, até bugs frequentes que resultaram em um save lock do meu jogo. Não é incomum ter problemas em títulos ainda não lançados, mas ter que reiniciar completamente um save desde o início é um dos bugs mais imperdoáveis que um jogador pode enfrentar. E, no meu caso, aconteceu justamente na última região, quase perto de completar a história principal, já tendo me dedicado muito mais do que o básico para realizar diversas missões.
É triste ter que dizer isso, mas o jogo poderia ter se beneficiado de alguns playtests a mais, ou mais alguns meses de desenvolvimento. O cerne do conteúdo, a ideia e o gameplay básico são interessantes, engajam, divertem, mas ter que ficar constantemente brigando com bugs, procurando sua ferramenta em um scroll infinito de objetos, ter que acertar o exato local para montar no seu cavalo — que já está indicado que você pode montar, mas não funciona — é um pesadelo a mais em um jogo que deveria ser agradável e aconchegante.
Alguns outros problemas são notáveis: diversas missões só podem ser completadas a partir do momento em que todas as regiões estão liberadas e isso demora a ficar claro. Também há vários comerciantes espalhados ao redor do mapa e fica bastante difícil visualizar o que cada um deles vende ou disponibiliza para o jogador — o que resulta em uma caçada desesperada toda vez que precisamos de um item que não pode ser fabricado em nosso inventário.
Divulgação/Epopeia Games
A missão de distribuir chimarrão, por exemplo, estava notoriamente quebrada. Teoricamente, era necessário fabricar várias bebidas para dar aos NPCs, mas o jogo permitia que você entregasse os chimarrões mesmo que eles não estivessem em seu inventário. Esses e mais diversos outros problemas pequenos vão se avolumando até o ponto de gerar estresse.
O maior paradoxo que vivenciei em Gaúcho é querer completar todas as missões e conseguir os 100% para colocar no meu perfil da Steam, mas ao mesmo tempo dar um suspiro de frustração toda vez que estou na praia e preciso de um item que apenas um comerciante do pico das hortências vende — e eu sequer lembro qual. O jogo é bom, ou poderia ser bom caso mais tempo tivesse sido dedicado a esse polimento. Sabemos que não é fácil desenvolver jogos aqui no Brasil, mas olhando para títulos como Mullet MadJack, distribuído pela própria Epopeia, Hell Clock e Mark of the Deep, sabemos que nosso potencial é grande. Alguns patchs de correção de bugs já foram feitos desde o lançamento e fica aqui o voto de confiança de que eles vão conseguir continuar melhorando o Gaúcho no futuro.