Por muitos anos, acreditou-se que Tom Cruise havia ficado a poucos detalhes de ser o Homem de Ferro nos cinemas. Embora o astro tenha desmentido esse rumor recentemente, ele deixou aberta a possibilidade de se aventurar no mundo dos super-heróis, dizendo que aceitaria vestir uma capa caso sentisse que o público gostaria de vê-lo como um dos icônicos personagens da Marvel ou da DC. Mas, será que entrar nesse mundo de semideuses, mutantes, meta-humanos e alienígenas seria mesmo um passo à frente na carreira de Cruise?
Em um primeiro momento, é fácil dizer sim. Apesar de ser mais conhecido por seus trabalhos em franquias de ação como Missão: Impossível e Top Gun, Cruise já se provou extremamente competente em comédias como Trovão Tropical e dramas como Magnólia, e um filme de super-herói permitiria que ele exercitasse um pouco mais essas facetas “esquecidas” pelo público. Seu nome também está em alta há anos e, atrelado até a personagens menos conhecidos, poderia facilmente render um bilhão para Disney ou Warner.
Olhando com mais cuidado para a carreira de Cruise, no entanto, percebe-se que ele é, talvez, um dos atores que não combina quase nada com a forma como filmes de herói são feitos atualmente. Além de exercer bastante controle criativo em suas produções, o ator também preza – e muito – pela ação prática, cada vez mais rara nos filmões cheios de CGI que dominam o gênero. Cruise já se pendurou de aviões, quebrou o pé filmando perseguições, escalou o prédio mais alto do mundo, ficou vários minutos seguidos debaixo d’água e pretende ir ao espaço apenas pelo nosso entretenimento. Por isso, é praticamente impossível imaginá-lo confortável contracenando com bolas de tênis e telas verdes, especialmente se ele for submetido às mesmas condições de confidencialidade que impedem que atores tenham acesso integral aos roteiros de longas de super-herói.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os filmes de herói dependem muito menos de suas estrelas e mais da fama de seus personagens centrais. Dwayne “The Rock” Johnson, por exemplo, não foi capaz de impedir o pequeno flop de Adão Negro e, após o lançamento do longa, chegou a ter seu status de astro do cinema rapidamente questionado. Caso fosse colocado para comandar uma franquia menor dentro da Marvel ou da DC, Cruise arriscaria, aos 60 anos, abalar a confiança que construiu perante ao público – algo que nem o abominável A Múmia de 2017 foi capaz de fazer.
Tom Cruise é Ethan Hunt, Maverick e Lestat. Ele não precisa de máscaras ou superpoderes fictícios para se firmar no imaginário popular como um dos maiores nomes da história da cultura pop. É claro, nada o impede de, como fizeram Jeff Bridges, Michael Douglas, Michelle Pfeiffer e Robert De Niro, aceitar papéis menores em adaptações de gibis. Mas, diferentemente dos colegas, que usaram tais participações como forma de alcançar uma nova geração que não necessariamente conhecia seus trabalhos mais icônicos, a carreira de Cruise em blockbusters transcende barreiras geracionais. Ainda que não seja tão celebrado em premiações quanto os nomes citados, o astro é o grande rosto da ação hollywoodiana no século XXI e, como tal, goza de um prestígio ímpar com o público comum. Abrir mão deste protagonismo pessoal seria contraproducente, especialmente agora que ele é visto como um dos principais salvadores da indústria até por Steven Spielberg.
O prático x o digital
Conforme já dito acima, Cruise gosta de filmar suas cenas de ação de forma prática e leva essa paixão ao extremo. Prendê-lo por horas em um enorme galpão vazio para adicionar cenários, monstros e até companheiros de cena digitalmente vai de encontro a tudo o que ele já afirmou várias vezes ver como a base do entretenimento. Filmes de herói não combinam com ele – e tudo bem, porque ele já não precisa deles.
Os filmes de herói, no entanto, têm muito a aprender com Cruise. Uma reclamação recorrente sobre o gênero é que ele tem se tornado cada vez mais complicado, homogêneo e dependente demais da computação gráfica. Ter um nome como Cruise, que busca obsessivamente entregar uma ação intensa e palpável ao público, poderia trazer um respiro necessário para essas produções, cujas sequências de ação nem sempre conseguem impactar os fãs como gostariam.
Trazer um pouco da ação alucinante que tanto empolga em Missão: Impossível e Top Gun seria um grande sopro de ar fresco para um gênero que flerta cada vez mais com a saturação. Ainda que sua atuação nos bastidores seja bem mais ativa do que atores costumam ter nesse tipo de produção, Cruise traria uma expertise que, do lado de cá das telas, parece faltar nas grandes franquias de capa e collant.
Cruise claramente não tem pressa para entrar no mundo dos super-heróis – e nem deveria. Depois de todos os feitos sobre-humanos que ele já protagonizou para e nos seus filmes, ele já se provou tão fora do normal quanto qualquer supersoldado ou kryptoniano que agraciaram as telonas ao longo dos anos. Agora, se o tal “papel certo” enfim aparecer, o astro pode ajudar a renovar um gênero que, ainda que dominante, já não tem o prestígio que tinha há uma década. Afinal, estamos falando do homem que “salvou a bunda de Hollywood”, não é mesmo?