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Superman e Speed Racer - paralelos inevitáveis? (Reprodução)

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Superman quer blockbusters vibrantes de novo - será que dessa vez deixaremos?

Filme de James Gunn herda algo de subversivo de Speed Racer, das Irmãs Wachowski

09.07.2025, às 15H50.

Virou piada no meio cinéfilo dizer que, em 2008, o público dos blockbusters hollywoodianos escolheu o pior caminho ao transformar Batman - O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, num sucesso bilionário, enquanto Speed Racer, das irmãs Lilly e Lana Wachowski, afundou feio nas bilheterias. O contraposição entre a adaptação live-action caleidoscópica do anime de Tatsuo Yoshida e o pináculo da visão “sombria e realista” do Homem-Morcego da DC sempre me pareceu desequilibrada e sem nuance, como a maioria dos chavões populares costuma ser, mas ainda é emblemático pensar no recado que a audiência poderia ter dado aos estúdios caso as fortunas desses dois filmes tivessem sido invertidas. 

E, por mais que não seja justo culpar Nolan pela massa de fuligem cinzenta que se tornou a paisagem do cinemão comercial contemporâneo, é inegável que artistas menos talentosos do que ele abraçaram a visão urbana opressiva de O Cavaleiro das Trevas e a transformaram em uma norma modorrenta de busca por “credibilidade” que se espalhou como erva daninha por toda grande franquia de Hollywood. Pois bem, veja só: Superman, de James Gunn, está pouco se lixando para essa credibilidade falsa que outros filmes de herói tem tentado vender. O filme de início do DCU quer que você acredite nele porque o ama, e porque ama olhar para ele - não porque ele poderia acontecer com você.

Nunca isso fica mais óbvio do que às portas do terceiro ato do filme, quando Superman (David Corenswet) está tentando escapar de uma prisão construída por Lex Luthor (Nicholas Hoult). Sem exagerar nos spoilers, é o bastante dizer que a missão não é fácil para Azulão e seus aliados, e em certo ponto ele se vê mergulhado em uma corrente “aquática” extradimensional que, segundos antes, descobrimos ser composta de antiprótons - o que quer que isso signifique, e é claro que não importa. Gunn imagina esse cenário fantasioso com roxos e azuis vívidos, sobrepostos em um background de proporções cósmicas, o seu protagonista mergulhando e escapando da corrente brilhante como se fosse um rio bravo embebido em glitter. 

É o momento mais Speed Racer no cinema comercial estadunidense desde… bom, provavelmente desde Speed Racer. Naquele filme, as Wachowski extrapolaram a estética sessentista do anime original para criar uma versão elástica, multicolorida, multi-iluminada do blockbuster anabolizado hollywoodiano. Aqui, Gunn pega sua experiência com o sci-fi espacial em Guardiões da Galáxia e sobe o volume até o 11, manufaturando cinetismo e dinamismo visual para um super-herói que sempre arrisca beirar o entediante em sua invencibilidade física. Lex, seu plano mirabolante e sua kriptonita, cuidam parcialmente disso, é claro - mas é a câmera de Gunn, em seu impulso criativo imparável, que completa o trabalho.

E talvez seja esse mesmo o “ingrediente a mais” que coloca Superman acima da concorrência na corrida pela revitalização do cinema de super-heróis. Enquanto a Marvel anda apostando numa autoconsciência que só faz esclarecer o cinismo que funda seu empreendimento narrativo, a nova DC de James Gunn parece querer… criar. Esse desejo fica claro em sua dedicação a personagens de formatos visuais inesperados, sua vontade de injetar profundidade cênica aos ambientes pelos quais os heróis e vilões passeiam, seu procedimento unicamente pop de inserir ideias politicamente contundentes e filosoficamente radicais em um esqueleto desavergonhadamente pulp - e em muito mais do que preenche as pouco mais de 2h do filme.

Criatividade, é claro, foi o que deu o combustível para a criação e perduração dos quadrinhos de super-heróis durante seu quase um século de história. Criatividade também foi o que levou a cada uma das transformações que o cinema mainstream estadunidense sofreu em seu mais de um século de história - incluindo àquela operada por O Cavaleiro das Trevas, não me levem a mal. Dinheiro faz o mundo de Hollywood girar, mas só impulso criativo o empurra para frente. E sim, é claro que é ingênuo dizer que Superman existe descolado das obrigações comerciais atreladas a ele - nenhum filme que custou mais de US$ 200 milhões existiu, existe ou vai existir dessa forma. 

Mas, aí, as irmãs Wachowski falaram melhor, lá em Speed Racer, do que eu jamais poderia: “Não importa se a corrida vai mudar. Importa se deixamos a corrida mudar a gente”.