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Simplesmente Feliz

Mike Leigh pega leve e faz comédia em seu novo psicodrama

26.03.2009, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H46

Em Melinda e Melinda, Woody Allen precisou dividir um filme em dois para demonstrar que há tristeza na comédia e que a tragédia pode ser engraçada. Mike Leigh se sai melhor contando uma única história, em Simplesmente Feliz (Happy Go-Lucky, 2008).

simplesmente feliz

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Conhecido por seus pesados dramas familiares, em que os roteiros nascem de intensos ensaios colaborativos com o elenco, Leigh parece ter concebido Simplesmente Feliz num fim de semana de sol, sozinho, para desanuviar - a começar pelos letreiros de abertura, cor-de-rosa, embalados por um trombone de pantomima.

Vivida pela ganhadora do Globo de Ouro Sally Hawkins, Poppy tem sua bicicleta roubada logo nessa primeira cena de abertura, mas só a entristece o fato de não ter podido se despedir. Poppy não reclama da vida. É uma professora de pré-escola que só veste roupa leve e salto alto, se exercita numa cama elástica, enche a cara com as amigas, faz flamenco. Quando passa numa livraria e vê na estante Road to Reality, já diz logo que esse não é seu tipo de livro.

É numa suspensão de realidade, afinal, que vive a saltitante Poppy, soltando piadas que não querem fazer mal, tirando sarro da própria dor nas costas provocada pela ginástica. Por ter sua bicicleta roubada, Poppy começa a fazer aulas de direção, e apesar das reclamações do instrutor é com seu típico desprendimento que ela assume o volante. A protagonista de Leigh, afinal, é simplesmente feliz.

Ainda que o roteiro arme situações dramáticas com um certo esquematismo, mais para testar Poppy do que para construir um conflito - a viagem para ver a irmã, o problema do aluno, as reclamações das amigas, o encontro com o mendigo -, Leigh sempre mantém de Sally uma distância respeitosa o suficiente para impedir que Poppy caia na caricatura. É uma personagem dificílima de construir, e tanto o diretor quanto a atriz merecem elogios por mantê-la crível aos olhos do espectador.

A partir dessa distância, então, o diretor consegue nos mostrar o que há de triste na felicidade de Poppy (a forma como ela absorve sem reclamar a infelicidade dos outros, tanto que se espanta quando acha um homem "descomplicado") e o que há de cômico no drama (o choro da professora de flamenco, os arroubos de preconceito do instrutor de direção). Como diz o título de um filme de Leigh de 1990, a vida é doce - mas há momentos em que ela ameaça azedar.

No fim das contas Simplesmente Feliz tem uma estrutura bem parecida com a de outros filmes do diretor. O teste de resistência das convicções de Poppy é, tomadas as devidas proporções, similar ao que encara Vera Drake, e a ebulição de uma relação incomunicada (como em Segredos e Mentiras e Agora ou Nunca) rapidamente se torna o nervo principal da trama. A diferença é que a imersão nessa nova terapia de grupo de Mike Leigh pode até deixar o espectador renovado ao fim da sessão, e não extenuado, como de hábito.