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Serpentes a bordo

Serpentes a bordo

07.09.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

O ex-dublê David Richard Ellis mostrou em Premonição 2, o seu segundo filme como diretor, que há dezenas de maneiras de se matar uma pessoa. Em Serpentes a bordo (Snakes on a plane, 2006), ele mostra que há dezenas de maneiras de se matar uma pessoa... com cobras.

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O título já é um tanto auto-explicativo, mas é de bom tom fornecer a premissa do terror de ação. Nela, Sean (Nathan Phillips, de Wolf Creek) é um surfista que testemunha uma execução no Havaí. Ele é convencido pelo agente do FBI Neville Flynn (Samuel L. Jackson) a testemunhar contra o assassino num tribunal em Los Angeles. O problema é que o bandido arrumou um jeito de enfiar um caixote cheio de ofídios venenosos no avião entre a ilha e a Califórnia. Desconte o fato de que os bichos se congelariam no cargueiro... O importante é saber que as cobras estão soltas e estão bravas. As que não estão bravas estão famintas.

Antes de Ellis emprestar seus dons ao filme, a produção já era um fenômeno na internet: camiseta, bordão, paródia. Com um título desses, não há como não ser - e Jackson já havia percebido isso há tempos. O ator costuma dizer que decidiu atuar na película por causa do nome, na época provisório. Quando a New Line decidiu mudá-lo para Vôo 121, Jackson disse que cairia fora se mudassem o título. Escorado pelo barulho da rede, Snakes on a Plane ficou como estava. Depois a New Line trairia a confiança do pessoal e esconderia o filme da imprensa - afinal, o peixe já estava vendido há meses mesmo... Mas isso é outra história, mesmo porque não há motivo para esconder um trash de proposta tão honestamente clara.

No começo da produção o diretor seria Ronny Yu, com quem Jackson trabalhou em Fórmula 51 (2001). Alguns conflitos criativos depois, o chinês deixou o posto e Ellis assumiu, vindo do razoável sucesso de Celular - outro filme de ação e trama policial que não tem vergonha de se declarar entretenimento descartável. Essa é a grande qualidade do diretor desde sempre: recorrer à clicheria e revesti-la de exagero para criar algo singular. Barulho de internet algum seria capaz de tornar Serpentes a bordo um filme tão divertido se Ellis não estivesse lá.

Filmes de avião cuidam de embarcar uma variedade de passageiros estereotipados? Pois o diretor potencializa os estereótipos e flerta com as caricaturas. Tem a loira com seu mini-cachorro, o rapper, a aeromoça gostosa, o inglês chato, o casal em lua-de-mel... A cada um deles Ellis reserva um destino insólito - afinal, sadismo é outra de suas características. E as 20 espécies de cobras utilizadas na produção, a maioria descarada e porcamente criada com computação gráfica, tripudiam com estilo.

O fato da New Line ter cedido aos pedidos e aceito a classificação etária R nos EUA (menores de 17, só acompanhados de adultos) pode ter sido danoso aos lucros de bilheteria, mas certamente faz bem aos fãs. Nudez, gosmas e palavrões - trinca indispensável a um bom trash - rolam com parcimônia. Ellis sabe como usar a câmera para anabolizar esses momentos - não há no filme um close-up mais fechado do que aquele no braço inchado do menino que levou uma picada, na hora em que vão cortar-lhe a carne para extrair o veneno. E, como não deixaria de ser, o enquadramento fecha em Jackson (há cenas em que até a iluminação é mais elaborada) nos momentos em que ele profere algumas das melhores frases de efeito dos últimos tempos.

Serpentes a bordo é um filme irretocável, então? Não mesmo. Para muitos deve ser insuportável. É tudo uma questão de expectativa. Ellis está se especializando em entregar diversão a quem não esperava nada.