Omelete Entrevista: Jorge Furtado, diretor de Saneamento Básico
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Houve uma Vez Dois Verões, O Homem que Copiava e Meu Tio Matou um Cara. Com apenas três longas-metragens o gaúcho Jorge Furtado conseguiu cravar seu nome entre os principais diretores brasileiros de cinema. A história, claro, não é assim simples. A briga dele começou lá atrás, na época da fundação da Casa de Cinema de Porto Alegre, produtora que mantém com alguns amigos desde os anos 80. Há semelhanças entre o diretor interpretado por Lázaro Ramos em Saneamento Básico e ele próprio? Quem responde é Jorge Furtado:
Existe algo do jeito de dirigir do Zico que é seu?
Jorge Furtado: Existem várias coisas. O Zico, que é o personagem do Lázaro Ramos, quer fazer cinema lá na cidade dele, minúscula. Quando a Casa de Cinema de Porto Alegre surgiu, com a gente querendo fazer cinema por lá, todo mundo achava ridículo isso. Nos falavam "Por que tu não vem pra São Paulo, Rio, onde está tudo, os atores, os laboratórios, os equipamentos?" Mas a gente queria ficar lá.
E tem outra coisa que é do Zico também, que mostra que ele é um bom diretor quando ele motiva os personagens com motivações reais. Ele usa o fato do Joaquim não gostar da Silene e tal para motivar o personagem e usa o fato da Silene querer sair daquele lugar para motivar o personagem dela. Essa é uma técnica de direção que se usa.
O Sonho do Ovo vai ser uma continuação para O Monstro do Fosso?
O personagem do Zico diz que o próximo projeto dele se chama O Sonho do Ovo e a gente fez um concurso para estudantes de Comunicação e Cinema, para que eles realizassem um curta O Sonho do Ovo, que a gente vai botar no ar, vai divulgar. E acabei descobrindo que já existe um filme chamado O Sonho do Ovo, um curta feito em animação e eu pedi para eles se inscreverem... já que já tá pronto, né?
Você fez quatro filmes em seis anos. Parece até que é fácil fazer cinema no Brasil.
Pois é. Mas a verdade é que tivemos algumas coincidências. Para O Homem que Copiava, eu fiquei muito tempo fazendo o roteiro e muito tempo captando. Era um filme muito complicado de fazer, por vários motivos, e depois que este roteiro ficou pronto eu comecei a escrever Houve uma vez Dois Verões, que era bem mais simples. E os dois filmes se viabilizaram meio juntos. Eu filmei Houve uma vez Dois Verões em março e no mesmo ano eu filmei O Homem que Copiava. Por isso os dois filmes saíram meio ao mesmo tempo. Mas acho que no Brasil, tu fazer um filme a cada três anos é uma vitória porque é o tempo que leva para escrever, para captar, levantar produção, etc.
E está funcionando bem o esquema atual com as leis de incentivo?
Elas estão melhorando porque são bem fiscalizadas. Todo dinheiro público é liberado através de concursos públicos - e isso é fundamental. Não existe mais aquela coisa de alguém pegar todo o dinheiro para fazer um único filme - e ainda não fazer e o dinheiro sumir e não ter como ser devolvido. Isso não acontece mais porque o dinheiro é liberado em etapas. Então, elas estão sendo constantemente aperfeiçoadas, eu acho, e devem continuar sendo, né?
Mas temos também um outro problema: cria-se filmes que depois não conseguem ser distribuídos. Qual seria a solução para isso?
O nosso maior gargalo é esse. O Brasil produziu 70 longas ano passado. Esse ano deve ficar por aí também, sendo que já foram lançados 40, deixando 30 e poucos para o segundo semestre. E a gente tem 2050 salas de cinema. E desse número, 1500 são tomadas pelos grandes lançamentos americanos, que são às vezes lançadas em 300 cópias ou até mais do que isso [Nota do Editor: Harry Potter e a Ordem da Fênix estreou no Brasil com mais de 700 cópias, tomando um terço das salas do país], sobrando para os nossos filmes e do mundo inteiro 500 salas. Por isso é essa briga de faca conseguir exibir seu filme.
Por outro lado, os filmes, aí pegando uma autocrítica, não têm conseguido motivar o expectador a sair de casa. Tem muitos filmes que não chegam a 100 mil expectadores. Ano passado, dos 70 filmes lançados, 60 ficaram abaixo dessa marca, que é um público pequeno. Então os filmes têm que ter mais apelo para trazer o expectador ou motivar as pessoas de alguma maneira, ou encontrar um público. Às vezes, o cara não sabe que o tipo de filme que ele gosta está em cartaz.
Mas, por outro lado, as mídias estão sendo multiplicadas. Hoje a gente tem várias TVs, não só as abertas, mas também os canais a cabo, temos as possibilidades dos DVDs, tem a venda para mercados variados fora do Brasil e tem também a Internet, que está sendo uma mídia cada vez mais interessante para a divulgação de filmes também.
Falando em chamariz, o seu filme tem nomes conhecidos do público em geral. Mas, pelo menos para mim, o que mais chama a atenção é o seu nome. Para quem está começando agora, pensando no primeiro filme, qual a dica para esses caras, que provavelmente não teriam como conseguir uma Fernanda Torres, um Lázaro Ramos?
Eu só não concordo contigo que o meu nome chama mais atenção que os atores. A gente, que vive de cinema, não é parâmetro. A maioria dos expectadores não sabe nem que o diretor existe, eles se relacionam com os atores.
Eu acho que quem está começando, talvez seja mais prudente, em todos os sentidos, trabalhar com atores também iniciantes. Um diretor muito jovem, que está iniciando e chama um ator consagrado, pode acabar sendo constrangido pela presença deste ator, que pode, de alguma maneira, se impor sobre ele. E para um filme isso não é uma boa idéia. Então, acho que quem está começando tem que trabalhar quem está começando também, pra fazer junto, uma coisa de parceria.
Eu disse aquilo porque realmente gosto dos seus filmes anteriores...
A gente, que gosta de cinema, tem isso. Eu fui assistir ao Mestre dos Mares, do diretor Peter Weir, que é um diretor que eu adoro. Nem sabia sobre o que era o filme e fui ver. Mas não somos parâmetro. As pessoas vão ver o filme do Tom Cruise, da Sandra Bullock, enfim, muito mais pelo ator.
Dá para falar de alguns filmes que te influenciaram e dá para achar nas locadoras? Eu vi que Guantanamera é um deles, e coincidentemente assisti a este filme no último fim de semana.
É muito bom, né? Acho o filme maravilhoso, ele tem aquele curta no meio, com aquela coisa da morte. O Thomás Gutiérrez Alea já estava doente e esse foi o último filme dele. Foi feito na direção em parceria com o Juan Carlos Tabió. Ele fez uma comédia política, romântica e de repente ele pára o filme com aquela cena da chuva e fala do mito dos índios sobre a morte. É genial. E tem um outro filme dele que é Memórias do Subdesenvolvimento, que é o primeiro longa dele e acho que saiu este ano em DVD por aqui. É um filme fundamental para quem quer fazer cinema, quem gosta de cinema e quer entender o cinema latino-americano e a própria América Latina também. Tem ali uma mistura documentário com ficção, comédia e drama numa salada fantástica. Este cara sabia tudo.
Outro filme que dá para indicar, eu vi este ano pela primeira vez, mas é de 1964, do John Huston, chamado A Noite do Iguana. Saiu em DVD este ano e tem no elenco a Deborah Kerr, Ava Gardner, Richard Burton, baseado numa peça do Terence Williams. É uma obra-prima. Quando eu acabei de ver o filme, saí correndo procurando o livro para ler porque é um texto genial, com atores ótimos e John Huston em plena forma.
E, pra fechar, um filme que eu revi essa semana e está saindo agora em DVD, parte da coleção do Billy Wilder, que se chama Pacto de Sangue. Não é a estréia dele, mas é o primeiro filme realmente novo do Billy Wilder, que inaugurou o cinema noir americano, baseado num livro do James M. Cain e é genial. E no DVD tem um documentário sobre o filme com entrevistas com vários escritores falando do [gênero] policial americano. Entre eles está o James Ilroy, que é um cara que eu gosto muito e é mais conhecido pelo livro L.A. Confidential, que virou filme. Nunca tinha visto a cara dele antes.
Aqui na caixinha que foi distribuída para a imprensa tem o Monstro. Vocês estão pensando em licenciar o personagem ou é só uma brincadeira?
(risos) Não, é uma brincadeira mesmo. Todo o material de divulgação de filme a gente tenta vir com algo que as pessoas não botem fora. É péssimo quando termina a sessão e todo aquele material caro que tu faz fica lá jogado no chão. Por isso fizemos essa caixinha, que tem um DVD dentro, com o material do filme e um monstrinho junto, que é o Monstro do Fosso. É um brinde.
E não tem papel! Tá tudo ali no disco. Isso faz parte também da mensagem ecológica...
Sim. Quanto menos papel melhor, né? Eu mesmo nem tenho impressora em casa. Eu tenho computador, mas não tenho impressora. Não precisa ter.
E agora uma coisa que a Fernanda contou. Ela chegou preparada para soltar aquele sotaque gaúcho...
Ela veio empolgada, queria muito falar do trilíche. Mas sotaque é muito difícil. Eu acho praticamente impossível alguém fazer o sotaque, que não se perceba o esforço do ator que tu já conhece. E era muito difícil que um gaúcho não percebesse isso. Então achei melhor que eles deixassem o sotaque de lado, e falassem normalmente. Só o Paulo José e o Tonico, que são mais velhos e, esses sim, falam com um sotaque italiano, que é uma característica da região.
Só pra terminar, então, dá para fazer cinema sem sair de Porto Alegre, né?
(risos) Eu acho que dá. Acho que cada vez mais, dá. Se já era possível fazer nos anos 80, quando tudo estava aqui, moviola, estúdios de som, tudo tinha que ser feito aqui em São Paulo e Rio, hoje é muito mais possível. Com as câmeras digitais, com os equipamentos digitais, youtube e toda essa revolução tecnológica do digital, cada vez mais é possível fazer audiovisual, cinema em qualquer lugar.
Baixe e ouça as entrevistas com Fernanda Torres e Lázaro Ramos.
Leia a crítica de Saneamento Básico