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Entrevista

Omelete Entrevista: Helder Vasconcelos

Ex-músico interpretou o Cão Miúdo em O Homem que Desafiou o Diabo

MF
28.09.2007, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 01H03

Helder Vasconcelos já fez parte da banda pernambucana Mestre Ambrósio. Hoje, estréia no cinema fazendo o papel do Cão Miúdo em O Homem que Desafiou o Diabo. Munidos de patuás, crucifixos e bom humor, fomos lá conversar com ele sobre este seu novo trabalho. Confira:

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Você já conhecia o texto antes?

Não. Meu primeiro contato foi direto com o roteiro pronto. Depois que li o roteiro é que a Livia Falcão me emprestou o livro e quando li já estava envolvido com a criação.

A sua atuação é uma das poucas coisas que chama a atenção positivamente no filme. Durante a entrevista coletiva, você falava dos problemas internos que você teve até decidir se ia ou não fazer o Diabo. Como foi este drama interno que você passou?

Não é fácil. Cinema é para sempre. Você está colocando o seu material humano ali. Quando você está na tela é você. O que você faz, o seu talento está lá. Usar isso para a personificação do mal não é fácil. Não era uma brincadeira. Para você fazer o galã você não tem essa crise. Ser vilão já é complicado, mas ser o demônio...

Que é a encarnação de todo o mal...

Exato, é a personificação do mal! Não foi fácil. Não é "ah vai ali fazer um demoniozinho".

Quando fui à primeira reunião, era apenas para conversar, mas na noite anterior eram idéias pintando na cabeça sobre o que é céu, o que é inferno, o que é certo, o que é errado. O que são valores. Fui dormir mexido, ainda sem saber o que fazer. Mas quando encontrei o Moacyr, no café-da-manhã, eu não consegui falar nada. Já cheguei e falei "Tô dentro".

Eu tive essa oportunidade pelo que eu fazia antes. Eles me convidaram para compor o personagem, então eu estava usando todo o meu material para criar o arquétipo universal com características próprias nossas. Era muita responsabilidade. Não fui eu que escolhi o papel, foi o papel e a possibilidade de representação deste arquétipo que me escolheu. Eu era a pessoa com capacidade e possibilidade de fazer bem. Não é uma vaidade, é uma responsabilidade. Foi meio "bicho, você tem que fazer porque a sua história de vida te levou a isso".

Hoje tenho isso mais claro: tanto quanto a imagem de Deus, você precisa do Diabo. Só um ou só o outro não existe sozinho. Foi fazendo, mexendo e pensando que cheguei até essa idéia. Esse foi o dilema que foi bem resolvido depois.

Falando da composição do personagem. Uma coisa muito importante é a dança, que me parece ter um pouco de capoeira, um pouco de maracatu e aí entra uma referência minha, que peço para você me corrigir, vi também algo do Drunken Master, [filme] do Jackie Chan, que é uma técnica em que ele parece estar bêbado.

Legal... Essa referência eu não tinha. O filme chegou até a minha pessoa porque eles queriam alguém que fosse ator, dançarino e tivesse material para compor o personagem, que é o meu caso. A minha formação artística é na tradição popular: Cavalo Marinho, que é um teatro de rua da Zona da Mata Norte de Pernambuco, e Maracatu Rural, que também é da mesma região. Daí fui vendo o que se encaixava melhor. O que que é o diabo? É habilidoso, é inteligente, é traiçoeiro, é malicioso, tem ginga e sempre tendo em mente o arquétipo nordestino.

A dança então é mais Maracatu Rural. Não sou capoeirista, então, o que tem de capoeira ali é, na verdade, a influência que ela teve sobre o Maracatu. E o jeito de falar está muito ligado às figuras do Cavalo Marinho.

E qual a diferença entre o trabalho em cima do palco para este na frente das câmeras? Você sentiu mais pressão ou sua experiência anterior ajudou?

Tudo ajudou! Além da música, eu já estava trabalhando como ator, porque saí do Mestre Ambrósio e em 2004 montei um espetáculo solo de teatro. Aliás, essa era a única referência de ator que eu tinha e foi o que mandei para eles analisarem. Então, eu já estava trabalhando com texto e tal e outra coisa que me ajudou é que me deixaram muito à vontade. Até brincava que eles iam me acostumar mal e que eu ia ficar achando que cinema era sempre assim.

Mas onde o bicho pegava e vinham as diferenças, entrou a generosidade do Marquinho [Palmeira], que foi incrível. Ele me ajudou muito apontando marcações e dando dicas. Poucas pessoas teriam essa mesma generosidade com uma cara que estava começando no cinema.

E o nosso o coreógrafo de lutas é um cara genial. Ele soube ver onde encaixar a luta com a minha dança e aí casou tudo.

Como você vê o sotaque do filme? A maioria dos atores está no Rio, porque a Globo fica lá, e acaba surgindo este "nordestinês global". Como você, que é de lá, ouve este sotaque?

Isso salta aos ouvidos como em qualquer pessoa. Mesmo que você não seja de lá percebe que algo está errado. Mas teve um trabalho muito legal no filme com o Leon Góes, que tinha como um das funções os diálogos. Tinha coisas no roteiro que não eram o meu natural e o que eu mudava eles aceitavam. Tinha uma abertura para eu sugerir "posso falar assim?" e eram estas tomadas que ficaram.

Mudando de assunto, como anda a cena cultural lá de Recife? Tem lá o Cláudio Assis, do Amarelo Manga , o Luiz Ferreira... esse povo de repente chega com propostas diferentes. O que é que está acontecendo por lá que os nossos radares ainda não pegaram?

Tem muita coisa bacana, mas para focar em um único tema, tem um movimento que está começando mesmo e que eu faço parte, e acabou de ter o primeiro festival internacional, que é vídeo & dança. Recife está vendo justamente este potencial de vídeo que existe e a relação com cinema e o potencial da dança. E como isso é novo, Recife falou "opa, aqui também tem".

O que exatamente é o video & dança?

Não é nem o video-arte, nem é o registro de uma coreografia que foi pensada pro palco. É uma coreografia pensada para o vídeo. É um campo muito aberto e supernovo. Tem um cara muito legal lá chamado Oscar Malta, que é uma das pessoas que está à frente disso.

Adoro Recife, tenho amigos morando lá e apesar de ser afastada do eixo RJ-SP, que é o que mais chama a atenção da mídia, é impressionante o tanto de coisas novas que recebemos de lá.

Eu voltei a morar em Recife e não dou conta de, por exemplo, ver as bandas que surgem. A cada mês tem um bom trabalho novo. É uma cidade muito efervescente e isso é irreversível. Os anos 90 abriram isso e agora vai embora...

Não sei qual era a sua relação com Chico Science, mas foi a grande perda que teve a música e até mesmo a cultura brasileira dos anos 90...

Eu nem falo perda porque o que o cara fez foi tão importante que mesmo tendo sido curto, ele cumpriu. Isso que está acontecendo hoje é parte desse processo que passou por ele. E o legal é que isso não é isolado. Por exemplo, o que eu faço hoje e me possibilita fazer um papel em um filme não é isolado. Não sou apenas eu, é uma realidade e isso que é legal.

No filme, a gente descobre o ponto fraco do Diabo. (risos) Qual o seu ponto fraco?

Rapaz! Eu sou um pouco metódico e acho que também centralizador às vezes. Se todo mundo tem algo para aprender, o meu é querer fazer uma coisa e acabar centralizando tudo em mim. Mas com o tempo vou aprendendo e melhorando isso. O meu ponto fraco não é o do Cão-Miúdo, tá? (risos)

Você só cuida bem do que é seu... (risos)

Cuido muito bem do meu e nada daquilo é real. Foi tudo fake. Cinema é tudo mentira! (risos)