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Entrevista

Omelete entrevista: Ennio Torresan, o animador brasileiro de Madagascar 2

Profissional carioca comenta suas influências, Bob Esponja e como foi trabalhar no novo filme

ÉB
11.12.2008, às 16H00.
Atualizada em 13.11.2016, ÀS 10H05

O carioca Ennio Torresan vive e trabalha em Los Angeles há nove anos. Formado em artes plásticas, ele trabalhou com animação na Nickelodeon (Bob Esponja), Walt Disney (Teacher´s Pet) e atualmente chefia um departamento de histórias na DreamWorks Animation, onde já colaborou em filmes como Madagascar, Bee Movie e Kung Fu Panda. Seu mais recente trabalho na casa foi Madagascar 2. Conversamos no início da semana com Torresan por telefone. E o papo foi ótimo. Confira:

Bee Movie

Bee Movie

Tintim

Tintim

Heavy Liquid

Heavy Liquid

Flight of the Conchords

Flight of the Conchords

Bob Esponja

Bob Esponja

Madagascar 2

Madagascar 2

Lobo Solitário

Lobo Solitário

Seu último trabalho foi Madagascar 2. Quais suas experiências anteriores na DreamWorks Animation?

Antes desse trabalhei em Madagascar, Bee Movie e uma participação pequena em Kung Fu Panda.

O que você faz na empresa?

Trabalho com história, com os storyboards.

Qual a diferença pra você entre trabalhar no primeiro Madagascar e no segundo?

No primeiro estávamos descobrindo os personagens, como eles se relacionavam, a mágica que os permitia existir. Qual a razão para esses personagens possuírem um filme. No primeiro estávamos sempre errando e aprendendo coisas novas sobre eles. E agora, no segundo, já tínhamos tudo isso delineado. Já sabíamos como eles atuariam em diversas situações, então foi uma questão de criar essas situações. É um filme completamente diferente. O desafio foi criar uma história para esses personagens, para que o dois ficasse mais engraçado que o primeiro.

A DreamWorks tem um objetivo claro pela frente, que é trabalhar a projeção 3D no cinema, com a tecnologia Ultimate 3D. Você já começou a mexer com isso?

Ainda não. Estamos entrando em contato com isso e a tecnologia vai mudar muito a maneira como vamos contar as histórias. Mesmo a forma como você edita os filmes tem que ser alterada, para não deixar as pessoas tontas. Os cortes têm que ser mais suaves e amplos. O 3D funciona muito bem com a câmera aberta, com personagens de corpo inteiro na tela. Em filmes como Madagascar, o estilo é feito de cortes, close-ups e câmera bem baixa. Funciona muito bem em projeções 2D, mas em estereoscópio daria uma dor de cabeça enorme. Vamos ter que adaptar estilos para o 3D.

Você já está alocado em uma nova equipe?

Sim, já estou trabalhando há um ano em um projeto que ainda não posso divulgar. Estou chefiando o departamento de história.

Ele não emprega o Ultimate 3D então?

Ainda não. Mas só por esse ano. A partir de 2009 acredito que todos os projetos serão feitos em 3D.

Essa idéia te empolga?

Tremendamente. Eu adoro trabalhar com coisas novas. Ainda mais algo assim, criado do nada. É um trabalho louco. Pra chegar ao filme nas telas há muitos matemáticos fazendo contas aqui do nosso lado.

Você já trabalhou com todos os aspectos da animação. Qual o seu favorito?

Eu gosto muito de história. É o que eu mais gosto. É onde está a essência do filme inteiro. Os outros departamentos, pra mim, têm pernas curtas pois eles não chegam a influenciar muito o resultado final.

Você está no lugar certo, então?

Sim. Demorou pra chegar aqui. Trabalhei na Nickelodeon também no departamento de história, na Disney eu dirigi - direção é muito bom também...

Eu acredito que exista uma percepção no mercado norte-americano - e não me refiro apenas ao cinema aqui - de que trabalhar com artistas nacionais é bom quando você os emprega em atividades relacionadas a desenho, storyboards... Por exemplo, temos várias quadrinistas brasileiros trabalhando para a indústria dos quadrinhos, alguns em posições extremamente privilegiadas, mas nenhum roteirista. A idéia dos editores é que escritores de fora não entendem o humor americano, a barreira do idioma é muito grande... Você passou por isso? Percebe isso?

Você está certo. Isso tem tudo a ver com o idioma, o humor, coisas que você entende muito melhor quando cresce em determinado ambiente.

Há quanto tempo você está aí?

Cheguei aqui em 1993.

Já está com o humor made in USA então?

Ahahahaha, pode-se dizer que sim.

Mas você já conseguiu passar alguma coisa tipicamente brasileira no seu trabalho aí? Alguma coisa sua que ninguém entendeu?

Já sim. Eu fiz parte de uma coletânea chamada Scrambled Ink da Dark Horse Comics. Minha história se chama "The Guy From Ipanema" e foi publicada com outros seis autores. Eu estava lendo críticas em blogs e sites e muitas pessoas odeiam a minha história. Ela é meio absurda, mais na linha do que eu gosto de fazer, exemplo dessa diferença cultural.

E em Madagascar, você conseguiu passar um pouco de seu humor?

Consegui sim. Minha equipe inclusive cria personagens, muda a idéia deles... O personagem que eu acho mais incrível é o Rei Julian - é o mais engraçado de todos. Outro bem engraçado é o Moto-Moto.

As cenas dele são muito boas. Você teve algum contato com os dubladores?

Não, nenhum.

Pergunto isso porque entrevistei o Will.I.Am e o cara é a síntese do "cool" e acho que vocês conseguiram, mesmo sem contato com ele, criar o personagem perfeito pro sujeito.

Exatamente!

Você continua perseguindo projetos autorais?

Eu apresentei um projeto meu, para TV, aqui na DreamWorks, também na Disney e Cartoon Network. Estou sempre mostrando coisas minhas. Sempre estou criando...

Olhando o seu site, tive a impressão que esse projeto deve ser algo mais Adult Swim que DreamWorks...

Isso. É sim. Mas dentro desses estúdios todos, me dei melhor aqui na DreamWorks porque eles são um pouco mais dirigidos ao público adulto. As histórias são um pouco mais maduras.

O que você tem visto, ou lido, de outros artistas que recomendaria? Quais projetos estão mexendo com o mercado, na sua opinião, ou pelo menos com você?

Eu sou muito influenciado por outras mídias - não necessariamente animação. A série Flight of the Conchords eu acho incrível - é uma das coisas de que mais gosto hoje, aquele tipo de humor. É o que me faz rir hoje.

Mas sua carreira tem uma influência grande dos quadrinhos também. Você está lendo alguma coisa?

Eu estou nostálgico agora. Relendo coisas. Comprei a coleção completa do Tintim. É incrível. Você lê quando criança e agora revisita e percebe coisas completamente diferentes. É impressionante como o Hergé estava à frente do seu tempo.

Falando em Tintim, a DreamWorks vai começar a trabalhar na trilogia com Spielberg e Peter Jackson. Você teria interesse em trabalhar nesse projeto?

Isso. Eu até poderia, mas o filme será live-action, motion capture, não é muito a minha praia. Não me interessa. Prefiro manipular a caneta ainda.

Fora Tintim, há algum outro quadrinho que você esteja lendo?

Estou sempre lendo livros e quadrinhos e vendo filmes e séries. São coisas que ajudam a afiar o humor, relaxar a mente, distrair o organismo... Geralmente compro uma pequena infinidade de livros e revistas mensalmente que vou lendo ou deixando de lado conforme o que penso delas. Acabo sempre fazendo uma segunda leitura das que mais me interessam. Trato os filmes da mesma forma.

Gosto de qualquer coisa que Charles Burns escreve e ilustra, especialmente Skin Deep, um humor indigesto e fascinante, com histórias absurdas. Adoro Lorenzo Mattotti, a quem tive o privilégio de conhecer rapidamente enquanto ainda trabalhava em londres, circa 1991. Stigmate escrito por Piersanti, fenomenal. Ainda com os italianos, os trabalhos de Igort sao incompáraveis. As soluções gráficas de cada página, a forma como se resolvem os conflitos, as caricaturas surpreendentes de cada um dos personagens. Um Will Eisner pós-moderno. Especialmente no livro 5 'e il numero perfetto.

Life Sucks de Jessica Abel, Gabe Soria e Warren Pleece foi um achado surpreendente, muito confortável a maneira como você vai entrando no dia a dia desses vampiros urbanos. Adoro os desenhos de Paul Pope, lembram-me o melhor de Liberatore. Heavy Liquid é imperdível. Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima. A saga inteira com todos os 28 volumes deve ser devorada de uma só vez. Pelo menos é isso que me acontece toda vez que resolvo relê-la.

No Brasil - Livro: Porno Política de Arnaldo Jabor. Ele é um manipulador de palavras fascinante. Laerte e os Palhaços Mudos, Piratas do Tietê e todas as outras histórias da antiga revista Circus. Adoraria adaptar para animação O homem que matou Getulio Vargas. Alô, Jô, me ouves? A Grande Família é um dos melhores programas que tenho o prazer de assistir semanalmente. Evandro Mesquita deveria ganhar um kikito especial como Paulão da regulagem. Ele, a meu ver, é o personagem mais engraçado da tv brasileira. O Cheiro do Ralo é um filme fenomenal. Pra mim, o melhor do ano passado, sem dúvida!

Monty Python e irmãos Marx são uma influência constante. Ainda assisto ate hoje, episódios do Monty Python's Flying Circus e os irmãos Marx. Swimming with Sharks é um filme bem próximo à minha realidade do dia a dia.

Pra acabar, fale um pouco da sua experiência com a série Bob Esponja. Eu acho a série uma das coisas mais sensacionais que já apareceram na última década. Esse desenho além de nonsense é meio até lisérgico. Aliás, eu não consigo entender como vocês conseguiram fazê-lo passar na Nickelodeon, como algo para as crianças...

Conseguimos lançar Bob Esponja simplesmente porque os executivos não estavam prestando atenção. Estavam olhando para o outro lado. Eles nem faziam idéia do que era Bob Esponja. Stephen Hillenburg vendeu a idéia do piloto e ficou competindo com o seriado Cat-Dog para conseguir autorização para 12 episódios, uma temporada. Para os executivos, Cat-Dog tinha mais apelo por causa da cara do personagem, etc... mas depois deram um OK para o Bob Esponja, 12 episódios. Participei de todos. Como eles não ligavam pra nós, fazíamos o que queríamos. As idéias não vinham dos roteiros, vinham dos storyboards. Trabalhávamos apenas com a sinopse do episódio. Aqui em Hollywood o roteiro é supervalorizado... tem que seguir...

As piadas de Bob Esponja são muito visuais...

Sim, eram todas criadas em storyboard, uma combinação de visual com diálogos, quando ele cabia ali.

Você sente falta de trabalhar desse jeito?

Eu sinto falta daquele processo neurastênico, de fazer um episódio a cada semana. Era um prazer fenomenal, porque quando estava feito não havia como voltar atrás. Todos davam o máximo. Eu sinto falta disso. Mas tem coisas que um longa-metragem te dá, que é uma certa calma para desenvolver uma situação, que a TV não dá. São dois mundos completamente diferentes que tive o privilégio de viver.