Desconhecido. Este era Chris Miller para a maioria das pessoas até então. Funcionário da Dreamworks Animation, ele já tinha trabalhado nos dois primeiros Shrek quando recebeu o convite para assumir Shrek Terceiro. Foi, fez, mas não convenceu. Tanto é que mesmo como quarto filme confirmado há um bom tempo, seu nome já é praticamente descartado. Talvez por isso o diretor estivesse um pouco reticente no início deste papo, usando frases prontas para responder às perguntas. Mas aos poucos soltou-se, e a entrevista acabou bastante proveitosa.
3
2
4
chris miller
Chris Miller: Nossa, como está frio aqui...
Está mesmo, né? E estamos em Los Angeles!
hahaha
E aí, como foi a experiência de trabalhar neste filme?
Foi boa. Deu muito certo, eu tenho de confessar. Foi uma ótima experiência e um desafio enorme, já que eu nunca tinha dirigido um filme antes. Tive a sorte de trabalhar rodeado de muita gente experiente e cheia de criatividade, que ajudou a deixar tudo mais fácil.
Você tem alguma expectativa, em especial?
Eu estou bastante orgulhoso do filme, acho que a história foi bem contada, é engraçada e mostra bons novos capítulos para as vidas de cada um dos personagens. Por isso, não tenho preocupações em relação às bilheterias.
Mas não dá um medo, já que os dois filmes anteriores foram arrasa-quarteirões?
Sim, eles foram muito bem nas bilheterias, mas prefiro não gastar meu tempo pensando nisso, na bilheteria, no tanto que ele vai trazer de dinheiro, essas coisas. Quando você está escrevendo ou criando algo, isso é uma grande armadilha. Não é uma coisa que dá para se calcular, sabe?
Por que você acha que Shrek é tão adorado no mundo todo?
Bom, Shrek é um tipo injustiçado, um cara que está fora do sistema. Na verdade, ele rejeita a sociedade. Acho que todo mundo já se sentiu desse jeito. Mas acho que ele é bastante ousado. Ele dá de cara com qualquer situação e improvisa. No fim das contas, ele é dono do seu próprio nariz e gosta do jeito que é. Acho que é por isso que as pessoas gostam dele.
Deve ter sido bem difícil ser o diretor de Shrek, por toda essas responsabilidades e pressão. Como você lidou com isso?
Eu trabalhei nos dois primeiros filmes como story artist e roteirista, por isso estava atrás de mais uma história do Shrek que interessasse às pessoas. Ficava pensando: em uma nova fase na vida do Shrek, qual seria o próximo capítulo? Nós achamos que poderia ser esta dificuldade com a paternidade, que isso seria uma coisa bem realista e com que muitas pessoas poderiam se identificar. E sabendo que precisávamos fazer isso no meio de uma comédia (risos). Sabemos que o principal é divertir, mas queríamos também ter um apelo dramático, algo emocional por trás.
E já tem planos para o quarto filme? Vamos ver as crianças crescendo, esse tipo de coisa?
Essa pode ser um dos caminhos. O projeto ainda está em um estágio tão embrionário, que ainda não dá para dizer como essa próxima história pode ficar. Uma das coisas que tem dado certo até agora é ter as histórias como uma continuação lógica para os personagens. Este é o grande desafio do momento, pensar no que pode acontecer agora, que você tem filhos.
Você está envolvido no projeto?
No momento, só quero saber de descansar um pouco. Depois disso vamos ver o que pode acontecer. Já tem um pessoal muito bom trabalhando nisso, gente que também trabalhou nos filmes anteriores e vem pensando na mecânica do que vem por aí.
Você acha que está na hora de ter essa transformação na vida do Shrek? Agora que ele é pai e tem que lidar com isso, como você acha que as coisas deveriam prosseguir?
Essa é uma boa pergunta. O que seria a próxima coisa na sua vida? Eu tenho meus filhos e acho que poderia trazer um pouco dessa minha experiência. Ainda pode estar meio cedo, mas acho que poderíamos ter também uma crise da meia-idade. (risos) Isso poderia ser bem engraçado.
Você já assistiu ao filme junto com o público?
Sim, eu já tive a chance de ver o filme no meio da galera algumas vezes, que é a melhor forma de assisti-lo. Eu vi o filme umas centenas de vezes e geralmente com as pessoas com quem estamos trabalhando e depois de um tempo você acaba perdendo um pouco da objetividade. Ontem à noite mostramos o filme para a equipe e foi bem legal. Eles ficam lá olhando para as coisas que eles fizeram, com um olhar crítico e, na verdade, eles não são nem um pouco objetivos. Mas vi também na noite passada junto com vocês da imprensa e foi bem legal, com boas reações, bem forte mesmo.
Ouvi dizer que no caso de A Família do Futuro, a Disney mudou bastante coisa no terceiro ato do seu filme. Vocês tiveram alguma coisa parecida com isso?
Eles viram que algo não estavam funcionando e tiveram que mudar tudo. É isso? Foi este tipo de pânico?
Sim. John Lasseter [diretor da área de animação] viu o filme e começou a questionar e pedir mudanças.
Não. Em Shrek Terceiro, não. Toda história é difícil de contar. E acho que toda história passa por isso, em alguns momentos. A esperança é que este tipo de problema aconteça nos primeiros estágios do projeto, mas sabemos que às vezes acontece lá no fim. E às vezes dá certo, em outras vezes, não. Mas acho que nós sempre tivemos uma boa idéia de como começar e um bom desfecho. Por isso, o meio do filme foi uma longa tortura para nós. E foi torturante de uma boa maneira, porque foi difícil imaginar como encaixar a lenda do Rei Arthur nisso tudo, pois este é o grande lance dessa história: colocar Shrek como personagem essencial na lenda do Arthur. Nós tínhamos uma idéia e íamos atrás dela, tentando diversas variações e conseguíamos algumas boas piadas, mas quando olhávamos de novo víamos o Shrek tinha acabado ficando de lado. Foi difícil conseguir colocar esta lenda arthuriana no meio e ainda fazer com que Shrek fosse o foco principal.
Falando do Arthur. No segundo filme tinha uma foto do Sir Justin [referência ao Justin Timberlake] em cima da cama da Fiona [Cameron Diaz].
Isso foi uma enorme coincidência, porque nós colocamos essa piada lá muito antes deles começarem a sair [os dois namoraram um tempão]. Foi uma daquelas peças randômicas que a vida prega, sabe?
Mas vocês não pensaram em usar Justin Timberlake como o Sir Justin, em vez de colocá-lo como Artie?
Na nossa idéia seria mesmo o Arthur. Mas é uma idéia muito boa, que acho que acabou passando batido por todo mundo. Por que você não falou isso antes? (risos)
Bom, da próxima vez é só me ligar que eu falo (risos)
E o que você achou do jeito como o Justin atuou?
Acho que ficou ótimo! Acho que gravei com ele pelo menos umas seis vezes, se não mais. E cada vez ele estava melhor. Era muito visível e evolução dele. Bom, ele tem feito filmes e sua habilidade como ator tem evoluído muito. E ele é muito engraçado. Aquele cara que é naturalmente engraçado, sabe?
Você permitia improvisações por parte dos atores? Claro que você tinha em mãos um roteiro completo, mas dava para dar esse tipo de liberdade para os dubladores?
Para falar a verdade, acho que não tínhamos um roteiro completo até, tipo, um mês atrás. Ele esteve o tempo todo mudando e evoluindo. Na animação, você faz um storyboard de tudo. Muitas falas são escritas a partir de storyboards e então vamos incluindo no roteiro. É bom ter uma boa idéia do que é aquela cena e se manter fiel à idéia, mas algumas cenas são mais fáceis de criar improvisações e sempre demos liberdade para modificações, que deixa tudo mais natural.
Você lembra alguma?
Agora que você está perguntando, claro que não. (risos) Fico meio confuso com essas improvisações. Não me lembro direito o que entrou, o que não entrou. Acho que a hora que o Burro fala "Cuidado, ele tem um piano" foi uma boa improvisação do Eddie.
Você lembra de algo especial deste filme?
Nada específico. Tudo foi um ótimo, uma ótima experiência. Foi demais trabalhar com todo mundo, o elenco... eu acho que eles deveriam formar uma banda. Eu sempre me pegava pensando nisso. Toda vez que a gente ia gravar, Mike ficava brincando no piano. Ele também toca um pouco de bateria. Eddie é um cara incrivelmente musical, que também toca bateria e piano. E Antonio é maravilhoso! Ele canta e dança. E ainda tinha o Justin!! hahaha Acho que deixaria Cameron com um tamborim, ou não sei que outro instrumento ela tocaria.
Qual a sua cena preferida no filme?
Isso muda toda vez que vejo o filme. No momento acho que é quando a Branca de Neve chega cantarolando, com as árvores e começa a revolução em direção ao castelo.
Por falar nesta cena, foi difícil conseguir a liberação das músicas?
Em algumas vezes foi um pesadelo! A música dessa cena foi dificílima. Você sabia que era difícil conseguir uma música do Led Zeppelin? Todo mundo com quem eu falava me desencorajava dizendo que era impossível conseguir uma faixa deles. E foi realmente muito, muito, muito, muito difícil conseguir. Tivemos que falar com uns 15 managers diferentes até conseguirmos. Sorte que tínhamos Jeffrey do nosso lado. Essa foi uma das faixas que queríamos desde o começo, que achávamos que tinha tudo a ver com o momento do filme. Tivemos também uma música que o Eels gravou pra gente e foi editada especialmente para a abertura a partir das imagens que tínhamos. Em outros casos, demoramos uma eternidade até achar a música certa. Uma delas foi a do Damien Rice, que só escolhemos depois de ouvir centenas de outras faixas, pois tem que ter a ver com a cena, o tom do que está acontecendo e tudo mais. No total foram dois anos de pesquisas até fecharmos tudo. Uma loucura!
Você já tem alguma idéia do que vai fazer agora?
Eu adoraria trabalhar com animação. Adoro desenhos, mas estou aberto para o que rolar. Só preciso descansar um pouco.
Na cena em que Shrek entra na escola atrás de Artie, tudo ali é bem caricato, com as cheerleaders falando que tudo era "demaaais", os nerds, e tal. Como você vê a educação americana hoje em dia? Você acha que é por aí mesmo, com as meninas pensando só no que é bonito, sem conteúdo algum. Era isso que você queria mostrar?
Eu passei por tudo aquilo na época do colégio. O que nós retratamos foi meio que uma memória coletiva do que lembrávamos daqueles dias. Sobre as cheerleaders, foi realmente algo bem caricato do que elas são, misturado com um cenário medieval. Foi divertido inventar o modo de falar delas, pensar em como elas falariam dos garotos e tal.
A série é conhecida por desconstruir os contos de fada. Você tinha alguma história ou personagem em especial que gostaria de usar na sua história?
Nós queríamos dar um ar mais contemporâneo à história das princesas. Todo mundo vê a Branca de Neve como aquele ideal puro, doce e justo com tudo ao seu redor, que é como nós a mostramos inicialmente, mas depois mostramos uma outra face, completamente inusitada.
Você conhece uma série de histórias em quadrinhos chamada Fábulas?
Não...
Se você tiver um tempo, eu sugiro dar uma olhada, porque mostra todo este cenário dos contos de fada, mas incluído na nossa realidade, com um único Príncipe Encantado, que foi casado com todas as princesas.
Hahahaha Nossa, isso parece muito divertido!