Alex Cox |
Repo Man (1984) |
Sid & Nancy (1986) |
Walker (1987) |
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Repo Man, primeiro filme do inglês Alex Cox, completou vinte anos agora em 2004. A fita não chega a ser extraordinária, mas sua mistura de punk-rock, ficção científica, roubo de carros e comédia funciona bem até hoje. Emilio Estevez, na época com 22 anos e ainda um bom ator, faz o papel de Otto, um adolescente que acabou de perder o emprego e a namorada, e cujos pais doaram todo o dinheiro para um pastor da TV. Vagando pela cidade, ele conhece o ladrão de carros chamado Bud, vivido pelo cultuado ator de Paris, Texas (de Wim Wenders, 1984), Harry Dean Stanton. Na verdade, Bud não é um bandido - ele é um repo man - espécie de cobrador, que rouba de volta para as empresas os carros cujas prestações não estão sendo quitadas. Depois de uma briga, os dois ficam amigos e Otto vai trabalhar na Empresa de Contratos Mão Amiga.
Ao mesmo tempo, chega na cidade um cientista, trazendo no porta-malas de seu Chevy Malibu 64 algo que parece valioso, afinal uma obscura agência do governo está fazendo de tudo para caçá-lo. Nunca ficamos sabendo exatamente o conteúdo do porta-malas, uma idéia tirada do filme noir Kiss me Deadly (de Robert Aldrich, 1955), e que Tarantino também aproveitou no seu Pulp Fiction - Tempos de violência (1994). Nem os personagens do filme têm como descobrir do que se trata, já todos que resolvem abrir o porta-malas são instantaneamente desintegrados. Antes que você desista de ver a fita, e de continuar lendo, cabe aqui uma explicação. Apesar de brincar com as convenções dos filmes B de ficção científica, Alex Cox está mais preocupado em criticar a guerra nuclear do que em levar a sério sua trama. Na época, Ronald Reagan e Margareth Thatcher dominavam o cenário político mundial, e um conflito direto com os soviéticos era iminente. Tudo que diz respeito às conspirações governamentais e ufológicas parece satirizar o absurdo da situação.
Se a situação é esquisita, a fraternidade da Mão Amiga é ainda mais. Otto inicia seu treinamento fazendo serviços com os veteranos Lite e Bud. O primeiro é um repo man casca-grossa e o segundo, um adepto do código de honra da categoria. O movimento hippie também tem seu representante no mecânico da empresa, que passa o tempo filosofando sobre as grandes questões da vida. Sua melhor máxima diz que "quanto mais você dirige, menos inteligente fica", verdade universal e indiscutível. Quando Otto começa a pegar o jeito do serviço, surge nos computadores uma recompensa de vinte mil dólares por um Malibu 64, que normalmente não valeria nada. A comunidade repo fica em polvorosa e todos partem atrás do veículo. Pode parecer um filme trash, destes feitos sob medida para soar assim, mas o que realmente acaba se sobressaindo em Repo Man é sua carga política e o humor satírico.
Interessada em promover Ruas de Fogo, sua tenebrosa "fábula do rock & roll", a Universal deixou Repo Man de canto, sem investir um centavo em sua divulgação. Foram precisos mais de quinze anos para pagar seus custos, o que só aconteceu graças ao status de cult que adquiriu de uns tempos pra cá. Uma curiosidade é que, anos depois de lançar o filme, Alex Cox recebeu um telefonema do criador da bomba de nêutron, que dizia saber qual o conteúdo do porta-malas do carro. Vendo como os personagens desintegravam, ele chegou a conclusão de que se tratava de um pedaço da sua invenção.
Walker
O próximo filme que o cineasta realizou foi Sid e Nancy (1986), com Gary Oldman no papel do baixista dos Sex Pistols. As cenas fortes causaram alvoroço, e a polêmica serviu para dar alguma notoriedade ao diretor, que passou a receber diversas propostas de Hollywood. Entre os roteiros recusados estavam, por exemplo, Os Três Amigos e Robocop 2. Alex Cox não queria nada dos estúdios, e partiu para comandar Straight to Hell (1987), sua tentativa de homenagear o bangue-bangue italiano de Sergio Leone. O filme é uma porcaria daquelas, e não vale nem pelas atuações de Courtney Love, Joe Strummer e Elvis Costello.
Se a crítica já estava enfurecida com o último filme, Walker (1987) serviu para isolar o diretor ainda mais. A diferença entre os dois é que este longa é ótimo. Sem esconder suas inclinações políticas, Alex Cox narra a história do aventureiro William Walker que, financiado por um magnata norte-americano, toma o poder na Nicarágua em 1855. O aventureiro realmente existiu, e já tinha sido vivido por Marlon Brando em Queimada (de Gillo Pontecorvo, 1969).
Apesar de se passar no século XIX, Walker é recheado de anacronismos, como helicópteros, computadores e relógios de pulso digitais. Vale lembrar que, na década de 1980, os EUA financiavam a contra-revolução na Nicarágua e tentavam a todo o custo tirar os Sandinistas do poder. Alex Cox usa estes objetos fora de seu tempo como uma tentativa de denunciar a situação e criticar as intervenções americanas na América Central.
Ed Harris faz o papel de Walker em sua cruzada para civilizar os bárbaros nicaragüenses. Apoiado por seu exército de mercenários e bandidos, o herói vai aos poucos abandonando suas pretensões liberais, até se declarar presidente da Nicarágua. Com um tom de comédia recheada de humor negro, Walker é um filme antes de tudo político. A violência das intervenções americanas está lá, acompanhada da estupidez de suas tropas. A fita perde um pouco do ritmo no final, mas nada que comprometa o resultado. A recente incursão de Bush no Iraque mostra que o padrão de autoritarismo continua o mesmo, e o que ocorreu foi apenas uma troca de inimigos.
Alex Cox não parou de trabalhar. Lançou há pouco uma versão modernizada da peça jacobina Revengers Tragedy (2002). Ele também escreveu o primeiro roteiro de Medo e Delírio em Las Vegas (1998), que foi abandonado em prol do pastelão lisérgico de Terry Gilliam. Muitos de seus filmes estão disponíveis em fita no Brasil, e Repo Man (que ganhou aqui o subtítulo vergonhoso de "A onda punk") tem até uma edição em DVD cheia de erros de tradução. Como disse no começo, não são obras de arte, mas quem gosta de cinema político, punk-rock e uma boa dose de surrealismo não pode perder.