Billy Elliot é o filme mais fofo do mundo, mas há implícito ali uma mensagem cruel - na cena em que o bailarino salta para a fama seguida do plano do pai grevista forçado a descer ao trabalho na mina de carvão - que condena a coletividade enquanto o individualismo prospera. Também em O Poço (Dixia de tiankong, 2008) o mundo parece se dividir entre os muitos que sobrevivem e os poucos que sonham.
o poço
O filme do chinês Zhang Chi se passa numa cidade mineira no noroeste do país e divide-se em três partes - em cada uma delas esse conflito de opostos se impõe. Primeiro, conhecemos um casal que trabalha na mina e cujo amor não tem futuro. Na segunda história, um adolescente larga os estudos e aposta que pode ganhar a vida como cantor - para não ter que trabalhar com carvão, como todo mundo. Por fim, um senhor mineiro está se aposentando e decide procurar a esposa que há anos não vê.
A China em permanente e raramente equilibrada transformação é o pano de fundo. O vale cortado pelo viaduto ferroviário é a metáfora do desequilíbrio - lá em cima, o trânsito, aqui em baixo, a estagnação. Os movimentos se alternam: quando há um trem partindo para Pequim lá no segundo plano, aqui no primeiro plano uma bicicleta circula capenga. Quando a câmera está no alto do vale, colada ao trem, vemos lá em baixo um carro descendo a estrada sinuosa.
Como o mestre Jia Zhang-ke, Zhang Chi sabe muito bem transformar o espaço em personagem, mostrando esses movimentos de sobe-e-desce o tempo todo. Mas há de se destacar também o seu trabalho de iluminação. O breu não está só na mina de carvão. Está também no contraluz de uma construção incompleta, em que os personagens, no escuro, observam a claridade do horizonte. É de um senso trágico terrível essa mise-en-scène de O Poço, em que a terra preta suga os anseios de sua gente.
Ao menos há, próximo do fim do filme, a luz frágil de um jantar farto para celebrar uma data especial. No fim, na China, continua aumentando a quantidade de gente que sobrevive e diminuindo o número dos que sonham, mas a luz desses poucos que sonham sempre se deixa perceber.