Filmes

Entrevista

"Ninguém Entra Ninguém Sai é uma grande renovação do gênero da comédia", diz diretor

Hsu Chien comanda produção nacional que chega aos cinemas em maio

19.04.2017, às 13H59.

Nesta temporada de blockbusters dominada por super-heróis, por Vin Diesel e seu Velozes & Furiosos 8 e por A Bela e a Fera, uma comédia brasileira tem mobilizado internautas, contabilizando milhares de views por dia para um trailer que une humoristas do Zorra Total, do Vai Que Cola e do Porta dos Fundos, além da figura sempre instigante de Sergio Mallandro, numa trama ambientada em um motel. Com estreia prevista para 4 de maio, Ninguém Entra Ninguém Sai pode se tornar um dos maiores campeões de bilheteria do país deste ano à força de seu elenco eclético. Na trama, um acontecimento inesperado surpreende os casais durante seus encontros amorosos em no Zéffiro’s, cujos quartos hospedam as mais loucas (e engraçadas) peripécias sexuais. Repentinamente cercado pela polícia, pela imprensa e por curiosos após o incidente, o local vira o alvo das atenções da mídia e da lei. O cineasta por trás desta narrativa é Hsu Chien, chinês radicado no Brasil respeitado como sendo o maior assistente de direção do cinema nacional. Nesta entrevista, ele fala do processo de pilotar ícones da gargalhada.

Omelete: Qual é o lugar de Ninguém Entra Ninguém Sai no perfil da comédia brasileira hoje? De que maneira seus personagens dialogam com o padrão de personagens em busca de um lugar ao sol que vem se repetindo pelo caminho na “neochanchada”?

Hsu Chien: Ninguém Entra, Ninguém Sai é livremente inspirado em uma crônica escrita por Luiz Fernando Veríssimo, que tinha como mote o fato de casais ficarem presos em uma quarentena dentro de um motel. Na crônica, a brincadeira eram as mentiras que os casais contavam para os seus respectivos conjugues para justificar essa ausência. O roteirista Paulo Halm aproveitou essa grande premissa e acrescentou elementos de policial, ação, romance e o mais puro humor negro. Eu sou um cinéfilo e cineasta eclético e aproveitei e adicionei números musicais, para completar o pacote. Dentro do perfil de comédias brasileiras recentes, acredito que Ninguém Entra Ninguém Sai é uma grande renovação do gênero da comédia, pois eu quis imprimir nas telas aquilo que muita gente estava deixando de incluir no humor: o elemento do lúdico. Na comédia podemos tudo: ser livres, criativos e imaginativos. A grande sacada do filme é que a quarentena faz com que todos os personagens se transformem, para o bem ou para o mal. Nesse “turning point”, não existe lugar para o material, ou seja, ninguém quer ficar rico, o que difere da grande totalidade dos filmes de comedia recente no Brasil. O que eles querem, na verdade, é ser felizes com os seus respectivos e para isso, precisam descobrir quem eles são na verdade. E nessa busca pela felicidade, vale colocar o seu verdadeiro Eu para fora. Ou seja, muitas fantasias e desejos serão colocados para fora, numa verdadeira saída do armário coletivo para todos os gêneros. O Motel é uma grande metáfora para esse Brasil que estamos vivendo, ele é o grande personagem do filme. É para o Zefiro’s que as pessoas correm para desafogar suas magoas e frustrações. E’ a nossa Ilha da Fantasia, a Disneylândia do sexo.

Omelete: Como foi montar um elenco tão eclético, incluindo Sérgio Mallandro, e criar um espaço de humor para todos na tela? 

Hsu Chien: Não foi fácil escalar o elenco do filme, pois são quase 40 personagens, cada um com uma identidade muito particular, ninguém é igual ao outro. Parafraseando o cineasta Robert Bresson em Pickpocket: “Estranhos caminhos tive que percorrer, para chegar até você”. Em todos os filmes que trabalhei, existe o desejo por determinado ator, e esse desejo vem de vários lados: do produtor, do distribuidor, do exibidor e claro, do diretor. Todos esses desejos precisam vir equacionados, pois em um projeto de mercado, temos que ter um retorno artístico e comercial. Alguns atores não puderam fazer parte do elenco, devido a compromissos com outros projetos e pela agenda apertada. Mas olha que interessante, nessa busca incensada pelo Ator ideal para o papel, acabamos nos cercando do que há de melhor no gênero Humor em todas as gerações. Comediantes veteranos como Antonio Pedro, Anselmo Vasconcelos, Renata Castro Barbosa e Catarina Abdalla dividem cena com novos talentos, como Leticia Lima, Rafael Infante, Joao Cortes, Bella Piero, Emiliano Davila, Paulinho Serra, Tatsuo Carvalho, Monique Alfradique, Mariana Santos. Atores de Cinema premiadíssimos se revelaram excelentes comediantes: André Mattos e Guta Stresser foram brilhantes. E quero tirar meu chapéu também para Danielle Winits, uma das atrizes mais completas que existem nesse País: ela faz drama comédia, canta e dança, tudo com muito talento. Quando dei por mim, vi que tínhamos talentos do Vai Que Cola, A Grande Família, Porta dos Fundos e Zorra Total agregados ao filme. E isso para mim é motivo de muito orgulho. O Sergio Mallandro entrou no filme pois para o personagem do Pai Lilico, precisávamos de uma personalidade reconhecida pelo publico pela sua alegria, carisma e extravagância. Foi unânime para todos nós que essa pessoa só podia ser ele.    

Omelete: Que referências de humor cult, pop ou clássico desenham essa narrativa?

Hsu Chien: Quando li o roteiro do filme, literalmente eu surtei. Isso porque, de imediato, pude enxergar ali um tipo de humor que só existia na minha mente em filmes dos anos 1970 e 80, que eram mais livres, politicamente incorretos e se permitiam ser realmente engraçados. 2 filmes não saíram nunca mais de mim e pedi para todo o elenco assistir: Um Convidado Bem Trapalhão, obra-prima com Peter Sellers, e Um Dia de Cão, de Sidney Lumet. Os dois filmes falam de situações semelhantes, onde os personagens se veem trancados em uma ambiente e de lá não podem sair. No filme de Blake Edwards, isso leva a situações bizarras e catastróficas. No filme de Lumet, apesar de lidar com o drama, nos apresenta a humanidade que eu precisava para desenvolver os meus personagens. Eu não queria que eles fossem somente divertidos: eles precisavam lidar também com os seus problemas. Ninguém passa incólume por uma quarentena, sendo obrigado a conviver com as mesmas pessoas todos os dias em um ambiente claustrofóbico. Eles precisam lidar com as diferenças.    

Omelete: Você é o assistente de direção mais requisitado do país e, depois de uma série de experiências em curtas e séries de TV, passa à sua primeira direção de longas, aos 49 anos. O que você leva dos seus trabalhos como assistente para as telas, nesse exercício de direção?  

Hsu Chien: Eu trabalhei em mais de 65 longas, fora seriados, novelas, comerciais, curtas. E nesses projetos, tive a grande honra de poder trabalhar com Diretores que valeram mais do que qualquer aula que tive na vida. Como grande observador, pude ver a forma como lidavam com os problemas de roteiro, de orçamento. Como trabalhar com os Atores, com a equipe. Como lidar com a pressão, com o emocional, que vai literalmente pro c... quando você está em um set de filmagem. Não tem faculdade que pague por essa experiência. Tizuka Yamasaki, Murilo Salles, Guillermo Arriaga, Daniel Filho, Helena Solberg, Paulo Cesar Saraceni, Bruno Barreto, Moacyr Goes, Oswaldo Caldeira, Luiz Carlos Lacerda, Zelito Vianna, Wolf Maya, Marcos Paulo, Jose Alvarenga, Ana Maria Magalhães, foram tantos métodos diferentes, aprendi muito. Ser Assistente de direção foi fundamental para o meu caminho para a Direção. Aprendi a ser mais rápido no raciocínio, aprendi a ser um ser humano melhor, a lidar com equipe e atores de um jeito mais diplomático e inteligente. E importante: aprendi a lidar com o cronograma do filme, sem estourar orçamento do produtor. Isso é importantíssimo!