Boas
novas chegam da Argentina. Apesar da recessão e do caos das instituições,
o cinema dos hermanos mantém a sua produção e a sua
força incólumes. Enquanto o cinema brasileiro discute meios estatais
de incentivar a indústria e combater a influência norte-americana,
na Argentina as produções caseiras acumulam bilheterias espantosas.
Um caso especialíssimo ilustra bem a situação. Em 1999, o
desenho animado "Manuelita", de Manuel García
Ferré, levou 2,3 milhões de pessoas ao cinema, patamar superior
àquele alcançado anualmente por Xuxa no Brasil, por exemplo. Acumulou
mais público, aliás, do que o aclamado "Nove Rainhas"
("Nueve Reinas", de Fabián Bielinsky) e os seus 1,9 milhões
de espectadores em 2000. Para completar de forma reluzente, "Manuelita"
chegou a ser escolhida para concorrer a uma indicação ao Oscar de
Filme Estrangeiro em 2000.
Agora,
"A Tartaruga Manuelita", na tradução para
o português, chega ao Brasil trazido pelo SBT, parceiro tradicional de
produções latinas. Por tratar-se de uma animação
feita com técnicas quase artesanais, à maneira do brasileiro "O
Grilo Feliz" (2001), de Walbercy Ribas, os seus números
assustam. Um aspecto singular, entretanto, explica o sucesso da tartaruguinha.
Criada pela escritora María Elena Walsh no início dos anos
60, juntamente com vários outros personagens pitorescos, a canção
de Manuelita se imortalizou de tal maneira no imaginário infantil e no
folclore argentino que nove entre cada dez tartarugas do país ganham
o seu nome. Celebre em sua pátria, María Elena teve textos infantis
musicados até mesmo pela cantora Mercedes Sosa. Em Pehuajó, na
província de Buenos Aires, citada na canção como lugar
do nascimento de Manuelita, ergueu-se uma estátua do animalzinho na entrada
da cidade.
A história
começa com o nascimento da tartaruga, meiga e curiosa. Manuelita sonha
em partir do seu vilarejo e conquistar o mundo. Então, quando ganha a
chance de voar num balão, traça Paris como o seu destino. Diz
a canção: "¿Manuelita, Manuelita, Manuelita dónde
vas con tu traje de malaquita y tu paso tan audaz&qt;&" Apesar do apelo
forte entre os argentinos, a ingenuidade saudável e a simplicidade da
trama atingem em cheio qualquer criança com menos de seis anos. Numa
perspectiva determinista - e, por isso mesmo, um tanto maquiavélica -
é possível comparar a fábula com o estereótipo do
cidadão portenho. Enraizado em costumes ditos europeus, um tanto xenófobo,
relevaria qualquer aliança na América do Sul em busca de seu verdadeiro
destino enobrecido. Claro, a análise cheira mais a provocação
do que propriamente constatação. Mais importante que polemizar,
não custa lembrar, é aplaudir a energia do cinema argentino.