O cineasta Lau Wai-Keung, também conhecido como Andrew Lau, criou em parceria com Mak Siu-Fai a cultuada trilogia chinesa Infernal affairs, cujo primeiro filme saiu no Basil como Conflitos Internos e serviu de inspiração para Os Infiltrados. Lau chega a Hollywood, portanto, com credencial de "autor". E os cinco primeiros minutos de Justiça a Qualquer Preço (The Flock, 2007), seu primeiro trabalho nos EUA, provam que ele tem estilo.
justiça a qualquer preço
justiça a qualquer preço
Somos apresentados aos personagens de Richard Gere e Kristina Sisco em ritmo frenético, hiperclipado. Sons e imagens se sobrepõem. Ainda não sabemos os nomes dos personagens, mas os ligeiros vislumbres que conseguimos captar já bastam: Gere interpreta um assistente social com traços de obsessão, Sisco vive uma garota que termina essa ligeira introdução raptada. É uma aula pós-moderna de síntese, e por pós-moderno se subentende aqui tudo aquilo que substitui a sutileza pela avalanche de informações.
O nome do personagem de Gere é Errol Babbage. Há 18 anos Errol trabalha como monitor de pessoas com psicopatias sexuais - pedófilos, agressores de mulheres, homicidas estupradores. Errol é a versão maníaco-depressiva do personagem de Mos Def em O Lenhador: um sujeito que fará de tudo para mandar para a prisão o pedófilo antes que este cogite bolinar uma garotinha novamente. A personagem de Kristina Sisco, como é fácil prever, é a garota que Errol terá que salvar do abuso.
Lau têm em mãos um tema com bom potencial - particularmente, aquilo que Errol Babbage simboliza hoje na América de Bush, um vigilante que concede a si mesmo poderes de polícia e que acredita que todos os suspeitos são culpados até que consigam provar sua inocência. A menção de O Lenhador não é casual: se o ótimo filme de Nicole Kassell tratava o pedófilo vivido por Kevin Bacon como um doente, Justiça a Qualquer Preço inverte a equação e trata doentes como meros pedófilos.
Os problemas de Lau começam... Bem, sejamos francos, começam quando ele resolveu sair da China.
A máquina de moer de Hollywood achou no diretor de Conflitos Internos uma nova vítima. Lau tenta, se desdobra com piruetas de edição, mas o fato é que o roteiro de Hans Bauer (Anaconda 2) e Craig Mitchell é uma clicheria só. Todos os cacoetes dos thrillers estão ali: o herói prestes a se aposentar, a novata que o sucederá e que vira sua aprendiz (papel de Claire Danes), o resto da equipe que não entende a "genialidade" do herói, a fixação do vigilante pelos seus perseguidos...
A lista vai longe, e no caminho ficam os buracos de continuidade e verossimilhança. Se os roteiristas ao menos escrevessem a história com a mesma criatividade com que criam nomes de personagens... Babbage, Viola, Custis...
Resta ao espectador cinéfilo torcer para que Lau tenha mais sorte da próxima vez. E torcer também para que ele não pegue mais um Richard Gere pela frente.