Estrelado por Alexandre Nero e Rodrigo Pandolfo, ambos dividindo a composição de um dos personagens mais admirados da cena clássica da música brasileira, João, o Maestro estreia nesta quinta-feira (17) em todo o país cercado de elogios, com a promessa de se configurar como um dos maiores sucessos nacionais do ano. Trata da vida e da obra do ex-pianista e hoje regente João Carlos Martins, obrigado a largar o teclado em função de deformações ósseas na mão, abraçando, na sequência, a batuta como sua companheira de trabalho. Quem assina a direção é Mauro Lima, realizador do sucesso Meu Nome Não É Johnny (2008), que imprime uma carga pop frenética a uma história de flertes com a tragédia. Produzido pelo veteraníssimo Luiz Carlos Barreto (indicado ao Oscar duas vezes; primeiro por O Quatrilho, depois, por O Que É Isso Companheiro?), o filme abre o 45º Festival de Gramado nesta sexta, na Serra Gaúcha. Na entrevista a seguir, Lima explica suas escolhas estéticas.
Omelete: Qual é o desafio de buscar dramaturgia no celeiro da música clássica neste momento em que nosso cinema patina nas bilheterias?
Mauro Lima: Foi exatamente isso que me ocorreu quando recebi o convite. Não sei se o público de cinema mudou ou se mudou de gosto. Mas o chamado público, seja ele quem for, está vivendo uma espécie de concubinato artístico com a comédia, algo semelhante ao fenômeno das pornochanchadas. Mas diferente dos anos 70, o ingresso hoje não é popular, de forma que o grande público acaba tendo que escolher… E escolhe a comédia... ou Hollywood. O desafio tem sido apresentar uma alternativa atraente. Por enquanto temos apanhado miseravelmente. De princípio seria uma aposta bastante arrojada botar todas as fichas na música erudita em si, embora eu adore, mas a história pessoal do indivíduo João Carlos Martins foi que me atraiu. Eu lembrava um pouco dele como pianista porque fui colega de classe de um filho dele, do jardim de infância ao ginásio, mas com memórias um tanto longínquas. E também conhecia mais a coisa dele com superação de problemas relacionados ao movimento das mãos e tal.
Omelete: Qual é a dramaturgia de João Carlos Martins, ex-pianista, hoje maestro?
Mauro Lima: Eu não tinha ideia da magnitude da história desse cara, o quão longe tinha ido, o quão grande tinha sido no universo da música com tão pouca idade. As coisas como aconteceram na vida dele; o insólito, o inesperado, as coincidências, o sucesso. A impressão que dá é que o destino se auto-desafiou a escrever uma biografia surpreendente e eletrizante a partir de um pianista vindo de uma família classe média de São Paulo. A grande maioria das pessoas não conhece a história dele. Mesmo gente que o venera acha que se trata de um sujeito que virou maestro porque perdeu os movimentos das mãos de tanto tocar, como muitos outros pianistas, a tal LER (lesão por esforço repetitivo). A história dele é bem diferente dessa, mesmo no que diz respeito as mãos.
Omelete: Seu cinema de longa metragem, com exceção de Reis e Ratos (2011), tem uma via biográfica. O que o biopic representa como gênero de cinema? Qual seria o desafio de encará-lo?
Mauro Lima: Acho que pelo sucesso do Meu Nome não Johnny, as circunstâncias foram me transformando num tipo de “especialista”. Sou comumente procurado por produtores com projetos de filmes biográfico, sobretudo de ícones do mal comportamento… rsrsrs... Depois desse tenho Mariel Mariscot e Casagrande, pra você ter uma idéia. De toda maneira, não é necessariamente uma preferência. Eu sigo ansiando loucamente por filmar protagonistas femininos, por exemplo, mesmo que biografias. Ou até histórias mais íntimas um pouco, mais do que de figuras pública masculinas, egressas de best sellers. Acho ainda que o biopic é uma alternativa de conhecimento pra uma geração bastante mais preguiçosa e desinteressada, que não recorre à informação vinda da leitura em si. E outro aspecto de interesse pessoal meu, transcende a questão da biografia propriamente, mas reside no tradicional impacto da cartela “Baseado em fatos reais”. A maneira como isso captura tanto a atenção quanto a emoção de quem assiste. A coisa do “E isso aconteceu mesmo?”. É um booster na emoção.
Omelete: De que maneira os dois tempos históricos da vida de João Carlos Martins se distinguem visualmente na tela: cor, textura, cartela de texto com datas?
Mauro Lima: Na realidade, temos três tempos no filme, incluindo a infância. Eu não recorri a nenhum recurso específico, além de utilizar três atores pro mesmo personagem. Não tem cartela. nem luz ou cor diferente, nem off… Mas fica evidente, espero (rsrs), com as épocas marcadas também na direção de arte, figurino, cortes de cabelo, enfim...
Omelete: Visto por 2 milhões de pagantes, Meu Nome Não É Johnny, seu filme mais famoso, lançado no início de 2008, vai fazer dez anos. Como você avalia sua carreira como diretor nesse hiato de tempo, em termos de descobertas estéticas, de desejos?
Mauro Lima: Foi muita coisa em dez anos e também o mundo mudou nesses dez anos. Esses dias assisti ao MNMJohnny. Não via há muitos anos. Foi meu maior sucesso, foi mesmo uma experiência retumbante, não consegui repetir aquilo, no entanto me achei ingênuo em vários momentos, displicente em outros. É curioso como amadurecer pode ser desinteressante de um certo ângulo. Você vê muito isso na música, especialmente no rock: os caras vão amadurecendo, aprimorando a técnica pessoal, equipamentos melhores, mas não repetem o impacto de um certo disco. Talvez eu nunca mais consiga comunicar tanto quanto fiz ali, sobretudo sendo um cineasta brasileiro, sujeito a esse mercado indefinível. É meio melancólico esse pensamento… Mas também cinema não é muito comparável ao rock… Cinema talvez pareça mais ópera, no sentido de desafios maiores e de olhares mais exigentes a cada vez, tanto de quem faz quanto do público.