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Tubarão: Lado A - Spielberg e o Suspense

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12.05.2004, às 00H00.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 20H03

Na célebre entrevista que concedeu a François Truffaut (1932-1984) no final dos anos 50, Alfred Hitchcock (1899-1980) definiu o gênero em que se tornou mestre. Dizia mais ou menos assim: "Se tivermos duas pessoas em uma sala, e uma bomba explode de repente, temos dois segundos de susto. Mas se ativarmos uma bomba, às vistas do espectador, e depois colocarmos na sala duas pessoas que desconhecem essa explosão iminente, serão alguns minutos de suspense".

Troque essa bomba por um tubarão-branco e temos o ambiente ideal para um suspense detonador.

Fica difícil saber se Steven Spielberg, prestes a completar trinta anos na época, tinha esse conceito da camuflagem na cabeça ou se omitia o colosso de oito metros de cena simplesmente porque o bicho mecânico mal funcionava. O fato é que Tubarão (Jaws, 1975), além de se tornar um fenômeno de bilheterias, deu fama ao seu diretor, que até então trabalhava para a televisão e tinha apenas um discreto longa de cinema no currículo. Mais do que isso, o filme alicerçou as bases daquilo que se tornaria a sua marca: os dramas familiares e o arrojo tecnológico. Sem Tubarão, hoje não haveria Spielberg.

Drama humano

Curiosamente, ele aceitou dirigi-lo graças a uma coincidência. Depois de ler o roteiro baseado no best-seller homônimo que o então estreante Peter Benchley publicara em 1974, Spielberg encontrou similaridades fantásticas com o filme para TV que tinha acabado de dirigir, Encurralado (Duel , 1971), sobre um homem perseguido numa estrada por um caminhão-pipa ensandecido. Ambos tratavam de uma monstruosidade quase sobre-humana que escolhia pessoas a esmo para "devorar". E tanto Duel quanto Jaws tinham quatro letras!

Mas Encurralado não tinha o drama humano que Spielberg imprimiu em Tubarão quando reescreveu o roteiro de Benchley. Na trama, o chefe-de-polícia Martin Brody (Roy Scheider) acaba de se mudar com a mulher e dois filhos, de Nova York para a veranista Amity Island. Aos poucos descobrimos os motivos: Martin não acredita que um único homem faça diferença na metrópole, mas sente que pode ajudar a cidadezinha onde os conflitos mais graves são os meninos que exercitam as lições de caratê nas cercas da vizinhança.

O grande lance é que nem Amity Island, nem o prefeito da cidade com o seu terno de estampas de âncoras, nem os turistas que rumavam para o feriado da independência, muito menos Chefe Brody, estavam preparados para as mandíbulas daquela fera...

O policial se vê inepto para encarar um perigo que mal conhece. Não consegue defender o próprio filho enquanto crianças morrem, precisa contornar as ordens do prefeito, que quer as praias abertas de qualquer jeito, e, para completar, sofre de hidrofobia. Scheider aprofunda o drama de Brody nos pequenos detalhes: o copo de vinho cheio, as poucas mas decisivas palavras trocadas com a mulher, os olhares assustados enquanto folheia uma revista sobre tubarões.

Técnicas de sedução

Mas voltemos à ferramenta do suspense. O filme começa com a morte de Chrissie, uma hippie desavisada que decide nadar nua na madrugada. Em nenhum momento aparece na tela o que a mata - a sugestão simplesmente nos convence. Tomada clássica: a câmera filma a garota metros abaixo, apenas nua, batendo as pernas e ofuscada pela luz da lua, até que a câmera se aproxima cada vez mais rápida. Esse ponto-de-vista do agressor tornou-se um elemento basilar de todo suspense. Daí, com a câmera na altura da superfície, Chrissie é girada como num liquidificador, até que mergulha para não mais subir.

O que naquele início era apenas insinuação, na cabeça do espectador logo se transforma em terror psicológico. Não vemos o bicho, mas sabemos que o bicho está lá. Chefe Brody também sabe. E os banhistas não param de chegar. Como resultado, temos o ápice do suspense - e uma bela demonstração de estilo do cineasta -, com a morte do menino com a bóia amarela. Já não há o ponto-de-vista do agressor, mas os olhos do policial, que fica na areia como um salva-vidas, alerta. Entram na água a mulher balofa, o velho de capuz, o cachorro, o casal... E os alarmes falsos assustam tanto Brody quanto nós.

Até que o tubarão ataca. Para marcar a dramaticidade da cena, Spielberg presta uma devida homenagem a Hitchcock. Enfoca o policial com o mesmo zoom vertiginoso que o mestre inventou em Um corpo que cai (Vertigo, 1958) para demonstrar o medo de altura do detetive Scottie: ao mesmo tempo em que aplica a aproximação do zoom, puxa a câmera para trás.

Spielberg já domina, como se vê, as técnicas de sedução do espectador. Mas Tubarão, apesar de provocar gritarias em várias gerações, não é um suspense desleal. Pelo contrário, a trilha sonora do filme serve como uma senha. Enquanto não houver música, relaxe - do outro lado, se ela se intensifica, pode acreditar, haverá uma abocanhada. Ah, a música. John Williams. Em sua segunda colaboração com o diretor, depois de participar do debute em longas A Louca escapada (The Sugarland Express, 1974) o maestro compôs a sua mais perfeita e famosa obra. Paradoxalmente, resume-se a dois acordes, criados ali, na frente de Spielberg. Essencialmente, há apenas a variação rítmica. Orquestrada, vai da flauta mais atmosférica ao trombone angustiante. Não poderia ser mais simples e eficiente.

"Mas e o tubarão, a parafernália?", você pode perguntar. Sim, uma hora ele mostra todos os seus dentes, cada um do tamanho da palma de uma mão. Tubarão não seria o filme mais emblemático da carreira do diretor se não houvesse o aparato tecnológico. E quando Chefe Brody vai à pesca, Spielberg dá o seu espetáculo.

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