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<i>Looney Tunes</i>: Misturando os mundos

<i>Looney Tunes</i>: Misturando os mundos

04.12.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15

Desenhos x atores - o novo round

Integrar desenho e atores reais é um sonho tão antigo quanto o cinema. Na verdade, os filmes nada mais são do que os filhos da animação, que ao longo dos séculos se desenvolveu nas mais variadas formas. Seja como bonecos, sombras, pinturas e, claro, desenhos. Somente com o surgimento da fotografia a realidade pôde ser então "capturada" no tempo. Mas o real oferece limitações que o bidimendional não possui. Daí para o flerte entre a nova linguagem cinematográfica e as ilimitadas possibilidades da imaginação dos desenhistas foi um passo. Desde sempre desenhos animados e atores de carne e osso dividiram espaço nas telas. Seja nos experimentos de precursores como Winsor Maccay ou no trabalho de grandes estúdios como os Fleisher ou Disney, que sempre deram um jeito de escalar uma estrela real para promover seus astros "virtuais". E vice-versa.

Incontáveis são os exemplos e as técnicas empregadas em mais de um século de cinema. Isso sem falar na TV, que não raramente também se vale de tal artimanha para seduzir a imaginação do público com todo um universo de novas possibilidades.

Os problemas para essa "mágica" dar certo até hoje são os mesmos: credibilidade, peso, volume, naturalidade... Afinal um desenho se move de maneira própria, decorrente do estilo e talento dos animadores envolvidos no processo. A um "cartoon" não se aplicam regras básicas como gravidade, inércia ou reflexão da luz. Pelo menos não da forma a que estamos sujeitos. E isso, inconscientemente, o expectador já sabe de antemão, por mais que aceite o jogo de ilusão e embarque nas deliciosas improbabilidades que essa arte propicia.

Para quem pode, não para quem quer...

Até 1988, o paradigma era que não havia como promover de maneira perfeita a integração de elementos reais e animados. Mas aí surgiu um longa-metragem chamado Uma Cilada Para Roger Rabbit e essa lei foi quebrada. Exercício de virtuosismo técnico em todos os sentidos, o filme dirigido por Robert Zemeckis foi além do apuro tecnológico (ainda vivia-se o período pré-CGI, é importante lembrar...) e apresentou um roteiro digno, senão genial. Puro exercício de meta-linguagem, mostra uma sociedade em que a fantasia é parte integrante (e demente) da realidade. Desenhos são seres vivos, que contracenam com atores humanos em produções cinematográficas. Não à toa o filme se passa nos anos 40, era de ouro para a animação no cinema americano. E o melhor de tudo? Mesmo repleto de referências a personagens e situações antigos (hoje obscuros) o filme é divertido não só para experts no gênero. Da soma dessas virtudes veio o inevitável sucesso. Por muitos anos se especulou uma continuação que nunca veio a ser realizada e Roger Rabbit continua um clássico imaculado.

No começo anos 90, Ralph Bakshi, o polêmico diretor de Fritz the Cat, criou sua mais que amalucada resposta ao coelho Roger: Cool World. Encabeçado por Brad Pitt e Kim Basinger, o filme naufragou nas bilheterias. Com um orçamento enxuto, uma direção pesada e mais politicamente incorreto que seu antecessor, acabou não alcançando sua pretensão em ser uma versão hardcore do sucesso da Disney/WB.

Em 1996 os estúdios Warner correram atrás da fórmula e deram vida ao desengonçado Space Jam, juntando a nata dos seus personagens animados. Enquanto Roger Rabbit era uma homenagem sincera ao gênero desenho animado como um todo, contando com pontas de célebres criações de diversos estúdios, aqui o resultado mais parecia uma sobrevida forçada a um bando de veteranos desempregados. Pernalonga e cia se unem ao jogador de basquete Michael Jordan para salvar o mundo de um bando de alienígenas malvados. Nada contra a trama infantilóide, visando a criançada. O problema da película foi a exaltação boba do ícone do basquete e as piadas que só fazem sentido para quem curte aquele humor americano mais conservador. Descartada a universalidade graças a esses percalços, o filme não acrescentou muito no que tange a interatividade entre desenhos e atores. Mesmo com recursos da computação gráfica mais modernos em suas mãos.

O Inferno de Dante

Chegamos a 2003 e a Looney Toones de Volta à Ação, nova aventura misturando os dois mundos - agora sob a batuta do irregular Joe Dante. Colega de escola do acima citado Zemeckis, Dante parece ter perdido o timming e o bonde do cinema mainstream há alguns bons anos. Obras como No Limite da Realidade, Gremlins e Viagem Insólita sempre foram um belo cartão de visitas para um cineasta com um pé na fantasia. Mas isso tudo parece ter ficado no passado do diretor, que atualmente busca um tratamento de choque capaz de reavivar seus bons momentos. Este parecia o projeto ideal. Mas não foi o caso. Com um elenco real mais profissional que o de Space Jam (não dá para comparar o amadorismo de um Jordan com os trejeitos de um Steve Martin), o carisma de um astro jovem (Brendan Fraser) e um roteiro repleto de tiradas espertas com o cinema, a equação tinha tudo para dar certo. Porém a história demora para decolar e as boas piadas também relutam em aparecer. Por incrível que pareça algumas das melhores estão à disposição apenas dos mais atentos e fissurados em 007 (os pôsteres parodiando filmes do agente britânico são hilários) ou em filmes de ficção B dos anos 50 e 60. Há até mesmo um laboratório forrado de seres oriundos das produções desses períodos. Nesses casos o resultado é um humor hermético, feito a uns poucos seres capazes de reconhecer Roger Corman (rei dos filmes B) numa ponta em que ele aparece dirigindo um novo filme do Batman. Já imaginou? Timothy Dalton por exemplo, já foi James Bond duas vezes nos anos 80 e aqui é um ator de filmes no mesmo estilo.

Por melhor que a piada seja, se você não for aficionado a ponto de conhecer essas referências, tal esmero se perde em meio à correria dos personagens. Até mesmo a interação entre os protagonistas tem um "Q" de forçada. Os atores realmente aparentam estar contracenando com o vazio. Os personagens animados pouco interagem com objetos reais, ficando claro o espaço vazio onde foram inseridos posteriormente às filmagens. Uma pena.

Até mesmo Pernalonga e Patolino parecem "interpretar" como quem bate o ponto. São as mesmas velhas piadas e nada de novo no front. Mas quem disse que não há virtudes aqui? Há sim vários bons momentos. Mas o resultado em si é irregular. A piada em que os personagens admitem que a rede de supermercados Wallmart pagou uma fortuna para que eles dissessem várias vezes "Wallmart" durante o filme é impagável. Quando Pernalonga e Patolino são perseguidos em pleno Museu do Louvre por Hortelino, invadem e se mesclam a obras de mestres da pintura do quilate de Salvador Dali, Munch, Tolousse Loutrec e Seurat é um momento ímpar. A sequência é por si só maravilhosa e vale cada centavo do ingresso. Não pela referência aos pintores em si, mas pelas belas soluções estéticas que não carregam a necessidade de nenhum conhecimento prévio por parte do espectador.

Infelizmente esta sensacional sequência é ao mesmo tempo o grande calcanhar de Aquiles do filme. Pois mostra todo a capacidade criativa da equipe envolvida no projeto que, infelizmente volta ao seu normal logo em seguida. O que quase anula o que se segue. É frustrante saber que, por mais que o potencial dos efeitos especiais de hoje tenha se aprimorado, o roteiro ainda é pensado de maneira unidimensional. Este Looney Toones é realmente superior a Space Jam em todos os aspectos. É só desligar o cérebro dar boas risadas em meio a explosões de dinamite, máquinas ACME e as velhas piadas de sempre. E sobre a história? Não é preciso contar, pois não é o mais importante aqui. Afinal, infelizmente, não foi agora que o velho filme de Roger e Jessica Rabbit encontrou um rival à altura.