Inspirado na melhor estirpe hitchcockiana, o suspense mistura momentos macabros e muito humor negro com uma abordagem centrada na área da psicanálise. O pesadelo vivo de Michel (Laurent Lucas, excepcional em sua atuação contida e discreta) já pode ser sentido logo nas primeiras cenas. Em viagem de férias com a mulher (Mathilde Seigner) e as três filhas, ele pena para acalmar a prole impaciente, para fazer funcionar o carro velho e agradar a esposa. Ao mesmo tempo, precisa cuidar dos problemas financeiros, efetuar alguns remendos na casa de campo e ainda administrar as visitas constantes e incômodas dos pais.
Suspense genuíno
Aqui entra a visão privilegiada do mestre do suspense Hitchcock, não por acaso, o cineasta preferido do iniciante Dominik Moll. Temperado com situações hilárias (os diálogos improváveis, um surreal macaco voador, a dieta dos ovos) e com enquadramentos interessantes (os closes, as tomadas externas, as cenas no banheiro cor-de-rosa), o terror se instala de forma leve e crescente. Harry chegou para ajudar, mas os seus métodos não são, propriamente, os mais adequados.
Tomado como uma investida no campo do suspense genuíno, sem dramas forçados, o filme alcança facilmente o sucesso. Eu gosto de filmes que me assustem, mas que me façam gostar de sentir medo. Mesmo sendo assustadores, os recursos utilizados por Harry acabam divertindo o espectador. Por isso, também, a escolha de Sergi López para o papel foi a ideal. Ele possui uma afabilidade necessária para o personagem, explica o diretor.
Exercício de psicanálise
Essa teoria psicológica me veio à cabeça enquanto eu escrevia, mas não fiquei teorizando sobre isso. Há, sim, um quê de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Eu não quero negar às pessoas suas próprias interpretações do filme. O que me interessa é que a história fale por si, diz Moll. Depois de sua estréia na direção em 1993, com Intimité, o promissor cineasta prova que conhece do riscado. Qualquer que seja a posição do espectador, fica a sensação de que o filme tem um incrível potencial, mesmo que não consiga superar as limitações do mercado. Em tempo: a produtora norte-americana Miramax, uma das gigantes do gênero, acaba de comprar os direitos da película, a ser dirigida por Wes Craven, o mentor da trilogia Pânico.
Ah, na opinião humilde deste comentarista, esse Harry não existe mesmo. E o filme original já nasce insuperável.