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Harry Chegou Para Ajudar

Harry, Um Hóspede do Barulho

MH
17.08.2001, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H12

Uma pena. Se o filme francês Harry Chegou Para Ajudar (Harry, un Ami qui Vous Veut du Bien, 2000), de Dominik Moll, tivesse um pedacinho do lobby de um Planeta dos Macacos ou metade do orçamento promocional de Pearl Harbor, a questão principal de seu enredo ganharia as páginas dos cadernos de cultura, meia dúzia de teses em escolas de psicologia e muita discussão em boteco intelectualizado.

Inspirado na melhor estirpe hitchcockiana, o suspense mistura momentos macabros e muito humor negro com uma abordagem centrada na área da psicanálise. O pesadelo vivo de Michel (Laurent Lucas, excepcional em sua atuação contida e discreta) já pode ser sentido logo nas primeiras cenas. Em viagem de férias com a mulher (Mathilde Seigner) e as três filhas, ele pena para acalmar a prole impaciente, para fazer funcionar o carro velho e agradar a esposa. Ao mesmo tempo, precisa cuidar dos problemas financeiros, efetuar alguns remendos na casa de campo e ainda administrar as visitas constantes e incômodas dos pais.

No meio da estrada, Michel repentinamente encontra Harry (Sergi López), um ex-colega do colégio. Harry (como o filme é francês, se pronuncia Arrí, ok&qt&) se apressa em cumprimentá-lo. Michel sequer se lembra de figura tão igualmente estranha e simpaticamente bonachona. De todo modo, em sua máxima hospitalidade, o convida para passar alguns dias com a família. Para sua surpresa, descobre que Harry esbanja dinheiro, curte a esnobação com um Mercedez novinho e ainda namora uma loura deslumbrante.

Suspense genuíno

Começam as complicações. Harry se mostra, na verdade, um grande fã de Michel - capaz até de decorar os poemas juvenis escritos pelo colega no jornalzinho da escola. Ao acompanhar o seu cotidiano sofrido, o pragmático Harry decide ajudar. A seu modo, claro. A influência dos pais, as complicações conjugais e o problema de verba ganham soluções desenvoltas e simplificadas nas mãos do hóspede.

Aqui entra a visão privilegiada do mestre do suspense Hitchcock, não por acaso, o cineasta preferido do iniciante Dominik Moll. Temperado com situações hilárias (os diálogos improváveis, um surreal macaco voador, a dieta dos ovos) e com enquadramentos interessantes (os closes, as tomadas externas, as cenas no banheiro cor-de-rosa), o terror se instala de forma leve e crescente. Harry chegou para ajudar, mas os seus métodos não são, propriamente, os mais adequados.

Tomado como uma investida no campo do suspense genuíno, sem dramas forçados, o filme alcança facilmente o sucesso. Eu gosto de filmes que me assustem, mas que me façam gostar de sentir medo. Mesmo sendo assustadores, os recursos utilizados por Harry acabam divertindo o espectador. Por isso, também, a escolha de Sergi López para o papel foi a ideal. Ele possui uma afabilidade necessária para o personagem, explica o diretor.

Exercício de psicanálise

Acontece que uma segunda leitura pode ser feita sobre Harry Chegou Para Ajudar, a tal questão instigante do início do texto. Além de se apresentar como um suspense bem arquitetado, o filme pode ser tomado como um exercício de psicanálise. O personagem de Lopéz seria, na verdade, uma alegoria bem paupável de elementos do inconsciente. Harry existe mesmo&qt& Apesar da narrativa montada na existência concreta de um colega excêntrico, é possível que nada disso seja real. Nesse caso, a realidade de Harry se encontra perdida em algum lugar entre a Psique, o Eu, o Id, o Ego e o Superego de Michel. Ele não seria o primeiro a contar com um amigo invisível, que resolve todas as dificuldades com ótimos conselhos, certo&qt&

Essa teoria psicológica me veio à cabeça enquanto eu escrevia, mas não fiquei teorizando sobre isso. Há, sim, um quê de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Eu não quero negar às pessoas suas próprias interpretações do filme. O que me interessa é que a história fale por si, diz Moll. Depois de sua estréia na direção em 1993, com Intimité, o promissor cineasta prova que conhece do riscado. Qualquer que seja a posição do espectador, fica a sensação de que o filme tem um incrível potencial, mesmo que não consiga superar as limitações do mercado. Em tempo: a produtora norte-americana Miramax, uma das gigantes do gênero, acaba de comprar os direitos da película, a ser dirigida por Wes Craven, o mentor da trilogia Pânico.

Ah, na opinião humilde deste comentarista, esse Harry não existe mesmo. E o filme original já nasce insuperável.