Pátria de gigantes do cinema autoral, como Fellini, Antonioni e Ettore Scola, a Itália provou recentemente do gostinho saboroso de ser blockbuster à força de um fenômeno de público inimaginável para seu padrões audiovisuais, capaz de quebrar todos os recordes de bilheteria: a comédia Funcionário do Mês (Quo Vado?), vista por cerca de 7,5 milhões de pagantes. Dirigida por Gennaro Nunziante e estrelada por Checco Zalone, uma espécie de Leandro Hassum à italiana, a produção contabilizou na venda de ingressos uma arrecadação estimada em €53.3 milhões e ela chega ao Brasil nesta quinta (18) disposto a lotar cinemas por aqui também. Na trama, Checco encarna um servidor público que leva uma rotina pacata em uma cidadezinha até se ver diante de uma transferência de posto, indo servir no Pólo Norte, na defesa de pesquisadores interessados em ursos polares. Mas, no mais hostil dos ambientes, ele vai conhecer o amor, ao se apaixonar pela cientista Valeria (Eleonora Giovanardi), ao mesmo tempo em que se envolve em mil trapalhadas.
Na entrevista a seguir, Nunziante comenta a febre popular que Funcionário do Mês virou na Europa, comenta a fama de Checco (cujo nome real é Luca Pasquale Médici) e fala dos desafios de como dirigir humor com o mínimo de originalidade.
Omelete: Como o senhor avalia a atual situação econômica do cinema italiano?
Gennaro Nunziante: Eu não chamaria o cinema italiano de indústria, mas sim de um pequeno negócio artesanal. E não vejo nenhum problema nisso. O grande problema que enfrentamos é que o nosso cinema está a serviço da televisão, reproduzindo sua linguagem e suas necessidades, o que gera, como conseqüência, a redução de espaço para a imaginação e a experimentação.
Omelete: De que prestígio a comédia desfruta hoje no cinema italiano?
Nunziante: A comédia é um gênero com muitos derivados. Existem as comédias que dialogam com a estética do sitcom e que apresentam um formato mais próximo da televisão, sendo feita com uma trupe de atores populares, a um custo muito baixo. Existem as comédias mais autorais, onde o riso é pontual, raro. E existe ainda um lugar para uma comédia dita mais jovem, feita com astros consagrados na internet. Essa eu sinto que já está perdendo seu lugar. O que eu e Checco fizemos foi uma comédia que brincasse com a percepção dos sentidos, mas preocupada, acima de tudo, em arrancar risadas, pois, para nós, a alegria é fundamental. A comédia é um gênero que lida com o intervalo da piada, com o timming preciso da risada. E a nossa ideia é explorar bem a sequência de eventos entre uma piada e outra.
Omelete: Como foi a construção visual da narrativa de Funcionário do Mês, que arrancou elogios mesmo dos críticos mais antipáticos ao humor?
Nunziante: Minhas referências são mais ligadas à literatura do que ao cinema. Há uma preocupação em explorar a máscara cômica que Checco construiu ao longo dos anos.
Omelete: Checco tem feito cinema com sucesso desde 2009, em paralelo à trajetória dele na TV. Que ferramentas cômicas dele mais te surpreendem?
Nunziante: Checco tem uma máscara dramática e cômica muito contemporânea, que traduz as angústias típicas da realidade em seu gestual. Hoje, na casa dos 40 anos, ele tem cada vez mais consciência de sua maturidade como ator. Ele é alguém capaz de traduzir o curso natural da vida.
Omelete: Como você avalia o lugar de um filme como Funcionário do Mês na tradição cinematográfica da comédia à italiana?
Nunziante: A tradição do humor na Itália foi escrita em páginas memoráveis de autoralidade, com diretores e roteiristas que se preocuparam em transformar os aspectos mais simples da vida em tema de filmes. Eu tenho certeza de que o futuro da comédia pode mudar, para melhor, alcançando mais profundidade, ao engajar poetas, filósofos e literatos em suas fileiras criativas. Hoje, vivemos tempos muito distintos daqueles nos quais o cinema italiano dominava as rédeas estéticas de sua arte. Mas uma coisa não mudou: a comédia sendo uma ferramenta essencial para desvelar o que está em segredo, denunciar, gerar distanciamento e alimentar a ironia, sem incorrer num riso fácil e sem se render às fórmulas da TV.
E a entrada da terra de Nunziante e Zalone em nossas telas neste mês não se limita apenas a Funcionário do Mês. De 25 a 31 de agosto, São Paulo, Rio de Janeiro e mais cinco cidades do país vão acolher a 8 ½ Semana do Cinema Italiano, em salas como o Espaço Itaú. Serão exibidos sete longas inéditos, a começar por Loucas de Alegria (La Pazza Gioia), de Paolo Virzì, um dos maiores sucessos da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes deste ano. O pacote de atrações inclui um filme de super-herói ambientado em Roma – Meu Nome é Jeeg Robot – e um cult nunca lançado aqui As Consequências do Amor (2004), de Paolo Sorrentino.