Filmes

Entrevista

Festival de Gramado | Como Nossos Pais comove platéia de 1,1 mil

"Nosso governo hoje olha no retrovisor”, diz diretora Laís Bodanzky em entrevista exclusiva

20.08.2017, às 13H51.
Atualizada em 20.08.2017, ÀS 14H06

Ovacionado em sua projeção no Festival de Berlim, em fevereiro, quando arrebatou o coração da crítica europeia, Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, repetiu o feito em sua projeção para um abarrotado Palácio dos Festivais (com 1.100 poltronas lotadas), em Gramado, na Serra Gaúcha, onde concorre ao troféu Kikito de melhor longa-metragem.

Para sua protagonista, Maria Ribeiro, a exibição em solo gramadense foi uma experiência transcendente: não havia na plateia quem não se comovesse com seu desempenho, saudado com aplausos inflamados sempre que seu nome aparecia nos créditos de encerramento. Cronista de jornal, famosa nas telonas pelo papel da mulher do Capitão Nascimento em Tropa de Elite (2007), Maria subiu alguns degraus da escala evolutiva da atuação em seu desempenho como Rosa, dramaturga aspirante que se vê diante de múltiplos desafios.

Seu casamento com o indigenista Dado (Paulo Vilhena) está em crise. Sua rotina profissional está abalada, uma vez que ela, em vez de fazer teatro, é obrigada a escrever textos publicitários sobre louça de banheiro. Para piorar, sua mãe (Clarisse Abujamra, forte candidata ao Kikito de melhor coadjuvante), doente terminal de um câncer no pâncreas, resolve revelar que ela não é filha biológica do homem a quem chama de pai: o artista plástico com ares de maluco beleza Homero, papel confiado ao cantor e filósofo Jorge Mautner.

Previsto para estrear no dia 31 de agosto, Como Nossos Pais - que ganhou o prêmio de público no Festival de Cinema Brasileiro de Paris – é a sensação de Gramado até agora. Há quem defenda, na cidade, que se trata do melhor filme brasileiro do ano – coisa que se ouviu também na Berlinale. Na entrevista a seguir, exclusiva pro Omelete, Laís fala das implicações políticas da trama e da experiência com Maria Ribeiro na criação de uma representação feminina libertária. 

Omelete: Qual é o Brasil que se encontra refletido naquele casal em atomização de Como Nossos Pais e nas demais formas de amor e de amar que o filme oferece? 
Laís Bodanzky:
O filme questiona o formato milenar de família, que não combina mais com as reflexões mais atuais, mas mostra que exibe um abismo entre discurso e prática. O formato de família é engessado e não comporta mais os novos desejos da Humanidade. Fazendo um paralelo com o que é o Brasil hoje, eu vejo algo parecido. Nosso governo hoje olha no retrovisor. Quando a gente vê hoje um governo retrógado, onde nem metade do nosso Congresso é formado de mulheres, encontramos um descompasso num lugar que produz nossas leis. A mulher que não está ali representada não é mais a “recatada e do lar”. É alguém que segura a família, mas que lida com o fato de ganhar menos. É alguém que quer ter seu corpo respeitado. Fora isso, nós temos hoje, no Brasil, a maior parada gay do mundo, temos várias etnias... tudo isso precisa ser respeitado. Mas, apesar disso, a gente se vê diante de um governo mais preocupado em defender seu próprio poder e não um projeto de país moderno. É um congresso que quer preservar o antigo... que quer andar pra trás. Mas os jovens que estão vindo aí, com espaço na internet, estão vindo aí com força, com vontade de mudar, apesar das dificuldades. A fotografia do dia de hoje é de que a gente andou pra trás, na igualdade de gênero, em formatos de respeito ao trabalhador, no diálogo. Mas eu acho que a gente consegue dar uma volta por cima.

Omelete: O quanto o cantor Jorge Mautner – escolhido para viver o pai da sua protagonista - representa uma ligação com o Passado político, seja desbundado ou armado, da geração de seus pais? 
Laís Bodanzky: Mautner é um dos maiores artistas que nós temos, com uma obra multifacetada: além de ser cantor e compositor, que interferiu na obra de muitos músicos, ele é um filósofo, um livre pensador. Ele vem de uma geração que usufruiu de muita liberdade, embora tenha sofrido com a repressão. Ele é a prova de que momentos de repressão podem gerar algo de libertador, um pensamento muito estimulante. Por isso, eu não temo os momentos escuros. E aí que nasce uma nova forma de defender o mundo. É a partir da arte que a gente encontra forças para se manter vivo. E Mautner é um sobrevivente da ditadura. É da natureza dele a sobrevivência.

Omelete: O que Maria Ribeiro te trouxe como uma representação do feminino? 
Laís Bodanzky:
Maria é “a” representante do feminino. Não acho que meu filme seja feminista, algo que levante uma bandeira, até pelo fato de o feminismo ir muito além do que o filme pode representar. Tocamos em alguns temas do movimento: é a história de uma mulher num mundo de repressão invisível. Repressão que está até num universo de uma família de intelectuais de classe média. Maria tem uma atitude na vida pessoal de não ficar parada – e isso é algo que eu admiro. Em momentos de repressão, se você não reage, as águas ficam paradas – nada se move. Ela move as águas. Ela é uma mulher em constante movimento, pois é à flor da pele: alguém que se coloca mesmo correndo riscos. Ela se faz ouvir. E é disso que as mulheres precisam. Admiro mulheres que têm coragem de gritar.

Omelete: O que a experiência na Berlinale, onde seu filme foi cercado de elogios, trouxe como um aprendizado na tua evolução como diretora? 
Laís Bodanzky:
O retorno que o filme teve em Berlim foi muito gratificante, sobretudo porque fazer cinema não fácil. É algo que demora. E esse cinema que eu faço é um mix de narrativa autoral, que assume a minha visão de mundo, com um desejo de falar pra muita gente. Eu quero que as pessoas entendam, emocionem-se e possam parar para refletir a partir da emoção. Percebi isso em Berlim, quando o tema do debate entre as pessoas que nos assistiam eram suas histórias pessoais. Vivi na Berlinale um dos melhores momentos da minha vida. Eu tive uma relação muito boa com a crítica internacional, além de ter tido um contato direto com o público, em sessões lotadas.