De 16 a 24 de junho, a pequena Vassouras, no interior do estado do Rio de Janeiro, viveu o cinema brasileiro de maneiras catárticas e inesperadas. Só o fato de termos um festival de cinema tão fora do circuito cosmopolita já é uma baita ousadia. Mas quando o crítico que vos fala chegou à cidade e ao festival pela primeira vez, a primeira impressão que teve foi que o tapete vermelho estava estendido para todos nós. Fomos recebidos por uma cidade que queria nossa presença.
Vassouras não vai (ou quer) com isso desdenhar do seu passado colonialista: ele é história. A cidade ainda gira em torno da cafeicultura e transforma em atrações os registros do seu passado escravocrata, vivendo da memória, mas disposta a olhar para o futuro (como é preciso fazer). Contudo, ela quer também ser conhecida como uma cidade que promove arte, e não só a arte do café. E é nesse contexto que aconteceu a 2ª edição do Festival de Cinema de Vassouras.
Festival de Cinema de Vassouras/Divulgação
O festival correu de maneira emblemática. Antonio Pitanga foi o grande homenageado na primeira noite, com o troféu Paulo José. Ao lado do filho Rocco e da colega Nívea Maria, Pitanga falou sobre sua longa história no cinema e do quão importante é a abertura das artes para a diversidade. Por isso, a estranha presença de Carlos Vereza, dando declarações transfóbicas e homofóbicas, parecia destoar do resto da organização. Seu questionável curta-metragem Frankfurt, defensor da ideia de que a escola marxista é culpada pela "coisa horrível que é tudo ser racismo e identitarismo" — para usar palavras do próprio Vereza —, talvez sequer devesse estar na programação de lugar nenhum, muito menos de um festival que fez tantas escolhas certas como esse.
Entre elas, a escolha de um filme que use amplamente a acessibilidade, posição — e premiação — que ficou com Matheus Cabral, pelo curta Kikazaru. Foi curioso notar que, embora o festival tivesse entre seus selecionados filmes que descambavam para a contemplação imagética pura e simples, ele também tinha obras que celebravam o poder da palavra e da dramaturgia, em sessões como a de Capitão Astúcia, um longa divertido, pueril, amoroso e criativo; sem a pretensão erudita típica do circuito competitivo.
O Festival organizou sessões gratuitas, talk-shows, rodas de conversa, podcasts, levou crianças da rede pública para assistir animações e recebeu diretores, como Cininha de Paula e Wagner Assis, além de críticos, como Roberto Sadovsky. Para ele, no que diz respeito à produção dramatúrgica universal, o mais importante deve ser — precisa ser — a história, o roteiro.
Foi ainda mais emblemático que os dois grandes premiados do evento tenham sido filmes que, de maneiras diferentes, falam sobre a velhice e a ação do tempo. Horizonte, de Rafael Calomeni (diretor desse longa sobre o amor dentro de uma casa de repouso, que está no na Globo na novela Mulheres Apaixonadas), ficou com o grande prêmio de Melhor Filme. Mas Capitão Astúcia, uma divertida e cartunesca metáfora sobre demência na terceira idade, venceu prêmios importantes, como Melhor Roteiro e Melhor Direção em Longa de Ficção.
A noite de premiação ainda contou com uma homenagem à atriz Lillian Lemmertz, com um texto lido por sua filha Julia; uma homenagem à Mariá Velasquez, que recebeu o Grão de Ouro por seu papel no fomento da produção audiovisual; a entrega do Troféu Severino Sombra ao secretário estadual de Turismo do Rio de Janeiro; e, ainda, a entrega do troféu Marco Capute ao projeto PESER, da Prefeitura de Vassouras.
Abaixo vocês podem conferir a lista com todos os vencedores da noite de encerramento. E, enfim, a recomendação está feita. Ano que vem, o Festival de Cinema de Vassouras pode entrar definitivamente no calendário dos amantes da sétima arte. Vocês não vão se arrepender.
VENCEDORES
- Melhor longa-metragem: Horizonte
- Melhor direção em longa-metragem: Rafael Calomeni – Horizonte
- Melhor atriz em longa-metragem: Ana Rosa – Horizonte
- Melhor ator em longa-metragem: Fernando Teixeira – Capitão Astúcia
- Melhor atriz coadjuvante em longa-metragem brasileiro: Alexandra Richter – Horizonte
- Melhor ator coadjuvante em longa-metragem brasileiro: Rafael Pereira – O Armário Mágico
- Melhor filme longa-metragem (Documentário): Rosa – A Narradora de Outros Brasis
- Melhor filme longa-metragem (Animação): Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro
- Melhor roteiro em longa-metragem brasileiro: Filipe Gontijo – Capitão Astúcia
- Melhor som em longa-metragem de ficção: Vermelho Monet
- Melhor fotografia em longa-metragem: Vermelho Monet
- Melhor direção de arte em longa-metragem de ficção: Vermelho Monet
- Melhor figurino em longa-metragem de ficção: Vermelho Monet
- Melhor direção em longa-metragem de ficção: Capitão Astúcia
- Melhor curta-metragem brasileiro (Ficção): Teatro de Máscaras
- Melhor curta-metragem brasileiro (Documentário): Cabocolino
- Melhor curta-metragem de ficção (Mostra Rio): A Menina e o Mar
- Melhor curta-metragem Regional: Os Esquecidos
- Melhor curta-metragem de Animação: Era Uma Noite de São João
- Troféu Acessibilidade (curtas inclusivos): Kikazaru
- Melhor roteiro em curta-metragem brasileiro: Renan Brandão – O Último Domingo
- Melhor direção em curta-metragem brasileiro: Sérgio Malheiros – Única Saída
- Troféu Paulo José: Rosamaria Murtinho e Antônio Pitanga
- Grão de Ouro: Mariá Velesquez, Gerente de Filmes da Paramount Pictures Brasil e Consultora do Selo Elas.
- Troféu Severino Sombra: Gustavo Tutuca, Secretário Estadual de Turismo do Rio de Janeiro
- Troféu Marco Capute: Projeto PESER