A sua nostalgia está errada: Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado nunca foi bom - e, ei, está tudo bem continuar gostando mesmo assim! Produzido a toque de caixa em 1997, para surfar no sucesso de Pânico (e dividindo com a franquia um roteirista, Kevin Williamson), o primeiro Eu Sei o Que Vocês Fizeram é nada mais do que um produto capenguinha de cinema-pipoca noventista. Pacote completo, inclusive, com a linguagem visual quadradona herdada da TV aberta estadunidense, provida pelo diretor Jim Gillespie, e atuações em chave de histeria entregues pelo elenco jovem engomadinho pescado dos programas mais cool da MTV.
Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997), enfim, é um produto de sua época no sentido mais puro possível - as suas mediocridades são as mediocridades da era, e por isso mesmo ele desperta um sentimento de familiaridade confortável se visto hoje. Só assim para explicar a existência de Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025), um empreendimento obviamente oportunista para fazer uns trocados com a lore de uma franquia localizada na janela mais doce de nostalgia para o público millennial que, os estúdios ainda acham, lotam os multiplexes hoje em dia. Mas olha só: numa reviravolta inesperada, o novo Eu Sei se mostra, do texto à direção, muito mais filme do que o antigo. E essa nem é a primeira vez que isso acontece.
Culpa de Jennifer Kaytin Robinson, contratada para dirigir e coescrever (com Sam Lansky) o novo longa. No campo do roteiro, ela inclui uma dose saudável de autoconsciência - inclusive, rápidos diálogos brincando justamente com a sede de nostalgia e de mitologia que vira muleta para tantas dessas legacy sequels-, mas não deixa o cinismo dominar a ponto de Eu Sei o Que Vocês Fizeram cair no buraco do que em inglês se chama de lampshade hanging. Basicamente, é a prática de apontar para um problema e fazer piada dele, ao invés de encontrar formas de contorná-lo (ouviu, né, Marvel?). As brincadeiras de Robinson funcionam, justamente, porque não são tudo o que ela tem.
Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025) é, de certa forma, mais um terror “sobre trauma” - mas calma! Robinson também é esperta o bastante de se afastar do chavão mais cansativo do finado “horror elevado” ao se aproximar de personagens dos filmes originais, como Julie James (Jennifer Love Hewitt) e Ray Bronson (Freddie Prinze Jr.), com a ideia de explorar o que o trauma significa quando se pensa que já o superou. Lá se vão quase 30 anos desde a última vez que eles foram perseguidos por um assassino, afinal, mas suas escolhas de vida ainda são definidas pelo fato de que um dia passaram por isso… e de formas totalmente opostas, ainda por cima!
Robinson funda todas as idas e vindas de sua trama nessa oposição simples, mas eficaz como texto pop, tudo enquanto recruta parceiros técnicos (a diretora de fotografia Elisha Christian, de Imaculada, principalmente) para criar um filme muito mais dedicado a evocar texturas e sensações do que qualquer um de seus antecessores. Em Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025), o assassino com capa de pescador surge da penumbra do lado de fora de uma janela como uma aparição, e suas botas pesadas rangem enquanto ele se aproxima lentamente da sua vítima, escondida por baixo do MDF e papelão mal pintado de um carro alegórico de parada de 4 de julho. Em Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997), se vocês bem se lembram, ele se escondia por baixo de plásticos de manequim e saltava comicamente na direção de Sarah Michelle Gellar.
As ferramentas de um novo século de cinema, e a curiosa liberdade que a cineasta encontrou quando foi recrutada por uma franquia para a qual nem o estúdio liga muito, fizeram deste um filme muito mais filme do que o original. É um fenômeno que, inclusive, já rolou em 2021, quando Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado retornou como série no Prime Video. A produção trazia um novo elenco de adolescentes (incluindo as ótimas Madison Iseman e Brianne Tju) em uma trama que colocava reviravoltas folhetinescas instigantes na fórmula da franquia, complicava o dilema moral antiquado que fundava sua narrativa, e ainda provava que sabia divertir ao revelar profundidades psicossexuais saborosas sobre os personagens.
Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (2021), no entanto, foi cancelada após uma única temporada. A recepção fria da crítica não ajudou, mas o fato é que nem os fãs dos filmes antigos nem o novo público teen mirado pelo Prime Video embarcaram na proposta. Ambas as audiências foram prejudicadas pelo “legado”, talvez - uma por achar, graças aos óculos cor-de-rosa da nostalgia, que o sarrafo para a saga estava mais alto do que na realidade; e outra por entender que Eu Sei o Que Vocês Fizeram era “coisa de velho”. E o primeiro fim de semana de bilheteria do novo filme indica que o destino desse reboot cinematográfico não será muito melhor. Uma pena, de verdade: eis aí uma franquia que já tentou duas vezes se erguer para além da mediocridade, e só quem a impediu fomos nós.