Filmes

Entrevista

"Éden está está longe de querer ser um filme sobre a religião evangélica", diz diretor

Protagonizado por Leandra Leal, filme chega aos cinemas esta semana

03.05.2017, às 14H01.

Cartografia da “guerra santa” que se espalhou pelo Rio de Janeiro a partir do avanço político do fundamentalismo religioso, Éden, de Bruno Safadi, estreia nesta quinta (4) após cinco anos de penitência na fila de espera dos “filmes sem-tela”, brigando por um lugar na sala escura para sua controversa reflexão sobre perseverança afetiva e fé. Em 2012, ele deu a Leandra Leal o troféu Redentor de melhor atriz no Festival do Rio e, um ano depois, rendeu a ela o Kikito, em Gramado. Dali, o longa-metragem passou por festivais estrangeiros de peso, como o de Roterdã, na Holanda. Mas nada disso encurtou sua jornada ao circuito. Na trama, Leal vive Karine, jovem vendedora de piscinas, grávida, cujo namorado é assassinado. Por intermédio de seu irmão, ela é levada para o culto evangélico do pastor Naldo (João Miguel) que promete ajudar em sua gestação e em seu parto. Mas há algo de podre no reino do Céu que Naldo vende a seus fiéis. Confira o que é – e entenda o porque de tanta demora com o longa – no papo a seguir.

Omelete: Cinco anos depois de sua primeira projeção pública, o Rio de Éden mudou quanto?

Bruno Safadi: O Rio de 2012 não mudou quase nada para o de hoje. Houveram Copa do Mundo e Olimpíadas e toda uma propaganda de transformação da cidade para melhor. Entretanto, passados os eventos, muito pouco mudou. Alguma obra aqui, outra ali. Mas a cidade continua indo de mal a pior, com grande desigualdade social, muita miséria e violência e pouquíssimo investimento em educação e cultura

Omelete: Que cidade você enquadrou em 2012? Ela mudou muito? 

Bruno Safadi: Existem duas fés em questão no Éden. A fé através da religião como possibilidade de salvação e a fé através do próprio homem como possibilidade de salvação. A personagem central, interpretada pela Leandra Leal, vive entre esses dois caminhos, entre o recomeçar a vida, após a perda do marido, dentro de uma igreja evangélica ou abandonar tudo e reiniciar esta vida a partir da maternidade que está por vir.

Omelete: Como você define o lugar da fé e da Igreja Evangélica em Éden?

Bruno Safadi: A fé é algo que é extremamente pessoal, por mais que possa existir a partir de uma experiência religiosa. A da personagem de Leandra Leal está justamente centrada entre dois caminhos, o da religião e o da experiência do nascimento fora da igreja.

Omelete: O que o pastor João Miguel simboliza? 

Bruno Safadi: O Pastor Naldo de João Miguel simboliza um tipo muito popular hoje nas religiões evangélicas. São tipos complexos, com muitas coisas positivas e outras nem tanto. É difícil esse personagem simbolizar no sentido de amalgamar um todo. Porque nesse caso, o todo não existe. Existem pessoas bem e mal intencionadas. Dizer que todo pastor é mal caráter é absurdo. Assim como dizer o contrário

Omelete: O que atrasou tanto a estreia de Éden: foram cinco anos de espera?

Bruno Safadi: Éden teve uma carreira espetacular nos festivais de cinema. Ganhou prêmios importantes como os de Melhor Atriz nos Festivais do Rio e Gramado e Melhor Filme no Festivais Internacional do Uruguai. Estreou internacionalmente em Roterdã e rodou muitos festivais europeus, latinos e americano. Durante essa carreira, ganhou o prêmio de distribuição da Ancine no valor de 200 mil reais e aí, infelizmente, o filme praticamente atolou em um pântano burocrático. Após 9 meses de espera para (não) assinar o contrato de distribuição, o filme passou na televisão - o que não poderia ter acontecido para a Ancine. Com isso, eles retiraram o prêmio e inviabilizaram o lançamento do filme por muito tempo - já que o distribuidor não tinha recursos próprios para lançar o filme . A distribuidora Livres topou então substituir a distribuidora original e lançar o filme com recursos próprios mas ainda assim esperamos 8 meses a mais para a Ancine dar o aval para a troca da distribuidora. A soma do tempo dessas duas situações chegou a 2 anos e meio. Por isso, só estamos lançando o filme agora.  

Omelete: Como você define o lugar estético que Leandra Leal alcançou nos últimos anos, como atriz?

Bruno Safadi: Leandra Leal é uma grande atriz e sempre foi. Acredito que seja a grande atriz da geração dela. Entretanto, acredito também que tanto o Éden quanto a experiência da Operação Sonia Silk – uma série de longas nossos que foram feitos ao mesmo tempo - deram a Leandra uma maior independência, uma autoralidade mais consciente, um lugar de atriz-autora, atriz-produtora e depois atriz-diretora. Fico muito feliz com nossa parceria. É algo que levaremos para toda nossa vida. Essas duas experiências foram experiências radicais de auto-transformação. E sou muito grato na vida de ter tido uma parceira como Leandra. Vivemos em uma época em que todo mundo diz o que quer, mas ninguém quer se jogar de verdade no abismo. A Leandra acreditou nos meus planos e se jogou comigo. Fizemos 4 longas-metragens em um mês e meio. Qual ator ou atriz de renome toparia uma situação dessas? Ainda mais com pouquíssimo tempo de dinheiro e de filmagem. Ela acreditou e fomos muito felizes antes, durante e depois. Fizemos os filmes, eles aconteceram, passaram muito por aí, e com o tempo, eu tenho certeza, ganharão ainda mais força

Omelete: Para um carioca como você, qual é a simbologia de se lançar Éden – um filme sobre o fundamentalismo religioso – neste momento em que o Rio de Janeiro tem um prefeito cristão como Crivella?

Bruno Safadi: Éden, mais do que um filme sobre a religião evangélica, é um filme sobre a vida. Sobre o recomeçar através de alguém, através de uma nova vida, que renova tudo em nós. Éden é também um filme que olha e se apoia em Arte. A religião evangélica aqui é um meio para pensar algumas coisas da nossa sociedade e de como uma pessoa pode transitar diante do seu tempo. Entretanto, está longe de querer ser um filme sobre a religião evangélica. Não tenho autoridade para isso. Portanto, não sei dizer como fica o filme em tempos de Crivella. Acho que esse filme poderá ficar em qualquer tempo, pois tem beleza, arte e muita paixão em sua realização. E é isso que pode fazer um filme ultrapassar o seu tempo.