Tabu (Gohatto), 2000, filme do diretor Nagisa Oshima trata de um assunto caro a este mestre japonês. Assim como em O império dos sentidos e Furyo, em nome da honra, Oshima examina o limite do sexo exercido como forma de dominação.
Em O império dos sentidos, toma emprestada a história verdadeira de uma gueixa japonesa que castrara o amante após uma entrega total de ambos aos prazeres do corpo. Em filme de inspiração e realização ímpar, o diretor consegue convencer o espectador que o casal ultrapassou os limites possíveis da atividade sexual. Mais do que isto, há uma troca de papéis em um Japão ainda tradicional: a gueixa, profissional contratada para a satisfação de seu cliente passa a dominá-lo em um lento ritual de entrega que só pode terminar em emasculação.
Desejo insuportável
Em Furyo, que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, num campo de concentração nipônico para prisioneiros de guerra. O militar japonês de mais alta patente do local (o músico e ator Ryuichi Sakamoto) é surpreendido por uma forte atração pelo soldado inglês vivido pelo também músico e ator David Bowie. Assim como a gueixa de O império dos sentidos, a personagem de Bowie deita e rola sobre o pobre japonês, que evidentemente é incapaz de admitir sua homossexualidade. Assim, o inglês é punido pela provocação. Perde, mas leva. Sua morte é a comprovação do insuportável de um desejo não realizado.
Em Tabu, Oshima novamente utiliza a homossexualidade para tratar de sexo e dominação. Assim como O império dos sentidos não é pornográfico, muito menos erótico, Tabu não é um filme de tema gay. Perante a escassez de boas películas que falem da homossexualidade de forma decente, Furyo e Tabu foram propagandeados e vendidos como temáticos. Não são. O homoerotismo de Tabu é apenas pano de fundo para o diretor novamente tratar da dominação via sexo.
Sexo no quartel
Estamos em Kyoto, Japão, 1865. Final das tradições samurais. A história se passa em uma casa da milícia japonesa. Sede de admissão e treinamento de novatos. Como em Furyo, o pano de fundo é a forte hierarquia militar nipônica.
Sozaburo Kano é um exímio espadachim recém admitido na unidade que encanta a todos não apenas por seus dotes com a espada (Ah! Freud e os duplos sentidos...). Extremamente feminino e delicado, atrai olhares de colegas e superiores em sentimentos que muitas vezes não são contidos.
Kano sabe de seus atributos e a trama deixa claro que os usa a seu favor. Ele é ambicioso, quer o poder. Mais do que isto, tem o prazer em dominar. À medida que o tempo passa, é evidente sua capacidade de sedução pela promessa implícita que deixa no ar, a qual nunca se confirma e enlouquece os pretendentes.
Mortes misteriosas
A história é narrada do ponto de vista do capitão (vivido pelo ator e diretor badalado Takeshi Kitano) que, aos modos de Sherlock Holmes, examina as modificações de comportamento em seus subordinados após a chegada de Kano. Cabe a ele também investigar mortes misteriosas e ameaças à sua milícia.
Como sempre, Oshima capricha na fotografia, quase toda em plano de tatame típico do cinema japonês dos anos 60 e 70. Isto acentua a atmosfera de erotismo, ao mesmo tempo de confinamento. A música do sempre bom Ryuichi Sakamoto sublinha a ação contida. Os guardas estão freqüentemente em lutas de treinamento, mas que exibem muito mais as disputas amorosas do local.
Não espere levitações do tipo O tigre e o dragão, nem batalhas corporais tipo Guerra nas estrelas, embora a coreografia lembre os dois anteriores. Nagisa Oshima é cria do cinema realista, nunca faria algo hollywoodiano, ou enganador. Suas lutas são as possíveis de uma corporação mediana, tradicional, embora sob o código samurai. Isto fica bem claro nos letreiros iniciais.
Durante o filme, o espectador se pergunta: o que Kano quer? Talvez não haja uma resposta clara, de objetivos. Ele quer o poder exercendo a função sedutora para a qual foi designado, pelo menos naquele local. O pouco que ficamos sabendo de sua história não deixa claro por que quis fazer parte da milícia. É filho de família abastada e poderosa e sua explicação é que gosta de matar! Por isto, alistou-se. A película é um recorte de tempo, em tempo que também se passa em outra esfera.
Além da ação linear, a narrativa é invadida pelas recordações ou hipóteses do capitão. Isto pode ser confuso inicialmente, pois personagens assassinadas parecem ressuscitadas. Oshima, porém, sabe o que faz. Mortos também fazem parte de seu tema favorito, além da própria morte. Em O império da paixão (feito logo depois de O império dos sentidos, ainda nos anos 70) o diretor já investigara a relação entre sexo e culpa, mostrando um casal de amantes assombrado pelo marido dela assassinado.
Este vai e vem de passado e presente, recordação e pensamento mostram a força de síntese que o cinema possui. Que outro meio de comunicação (não vale o comercial de TV, porque também é cinema) tem este poder de incomodar e fazer pensar?
Em Tabu, Nagisa Oshima - já bastante doente após um grave derrame - continua nos dizendo que a sexualidade é muito maior do que o prazer no sexo. Sexualidade é mesmo maior do que o erotismo. Para ele, sexo é o motor da existência, mas, se não tomamos cuidado, ele nos encaminha para o extermínio. Para ver e refletir, surpreendentemente belo o final num filme de estética já perfeita.
Tabu foi lançado pela Warner de uma estranha forma. Mantém a forma letterbox, mas não é realçado para TV widescreen. Por que não? Em título como este, para um mercado dito de arte não haveria nenhum empecilho em lançá-lo corretamente. Preguiça? Descaso com o público? Os extras são bons: trailer, fotos e entrevistas.