Meses após recuar sobre o tarifaço sobre filmes produzidos fora dos Estados Unidos, o presidente americano Donald Trump voltou a ameaçar impor tarifas a estas produções. A informação veio do próprio presidente americano, em suas redes sociais. Veja a seguir.
"Nosso negócio de produção cinematográfica foi roubado dos Estados Unidos por outros países, assim como é roubar 'doce de criança'. A Califórnia, com seu governador fraco e incompetente, foi particularmente atingida! Portanto, para resolver esse problema antigo e interminável, vamos impor uma tarifa de 100% sobre todo e qualquer filme produzido fora dos Estados Unidos. Obrigado pela atenção a este assunto, MAKE AMERICA GREAT AGAIN! Presidente DJT", diz a postagem.
Quais produções seriam impactadas?
Grandes estúdios de Hollywood filmam seus maiores projetos fora dos EUA há anos, para aproveitar não só cenários variados como também incentivos fiscais oferecidos em diversos pontos do mundo. Missão: Impossível - O Acerto Final, por exemplo, usa seus créditos fiscais no Reino Unido e em outros territórios para compensar o orçamento. Um Filme Minecraft, maior sucesso do ano até agora, foi filmado principalmente na Nova Zelândia com parte da produção no Canadá. Outros filmes nesta situação incluem a franquia Avatar, de James Cameron e o vindouro Vingadores: Doomsday.
Vale só para filmagens ou pós-produção também?
Da mesma forma que criaram incentivos de produção para atrair filmagens para suas terras, muitos governos estrangeiros oferecem descontos semelhantes para trabalhos de pós-produção feitos dentro de suas fronteiras. Desta forma, quase todo o processo de produção de um projeto poderia ser afetado.
E Netflix e outros streamings?
O presidente não menciona séries e produções para o streaming, deixando a dúvida se tais produções também seriam impactadas. Vale notar que a Netflix produz boa parte de seu catálogo fora dos Estados Unidos, incluindo séries originais como Black Mirror e Bridgerton. É improvável que tais medidas ajudem a recuperar Hollywood, apontando, na verdade, um caminho no qual toda a indústria americana seria prejudicada. Vale lembrar que gravações fora dos EUA são comuns na indústria desde sempre. A trilogia original de Star Wars, por exemplo, foi inteiramente filmada fora dos EUA. O processo apenas foi intensificado em virtude dos incentivos fiscais oferecidos em outros territórios.
E produções de outros países?
Não está claro ainda como a decisão por afetar produções de países estrangeiros. Essa e outras questões ainda estão em aberto. Não há explicação, por exemplo, para filmes que têm apenas algumas cenas filmadas em outros países, e se uma certa percentagem do orçamento de um filme tem de provir de incentivos à produção internacional.
Como isso afeta financeiramente?
Como explicado acima, produzir um filme nos Estados Unidos hoje em dia é muito mais custoso do que em outros países. Sem um desconto doméstico para compensar os incentivos perdidos no exterior, o aumento dos custos de produção cinematográfica nos EUA provavelmente significará que os filmes de estúdio ficarão menores — ou se tornarão mais digitais, com maior volume de filmagens em palco e tela verde ou maior uso de inteligência artificial (embora isso possa criar novos problemas com os sindicatos, que têm restrições rígidas ao uso de IA). Para produções independentes de pequeno e médio porte, uma tarifa pode simplesmente significar que esses filmes não serão feitos.
E filmes já prontos ou em andamento?
Se for esse o caso, o custo para os estúdios norte-americanos pode ser enorme. Cerca de 45% da arrecadação global de US$ 875 milhões de Um Filme de Minecraft — os US$ 400 milhões arrecadados nas bilheterias dos EUA — poderiam, teoricamente, estar sujeitos à tarifa de 100% imposta por Trump.
E a distribuição de filmes estrangeiros nos EUA?
As tarifas de Trump podem tornar isso quase impossível. Produtoras compradores internacionais de filmes nos EUA — Neon, Mubi, Sony Pictures Classics — ainda conseguirá comprar e lançar os melhores filmes franceses, alemães e japoneses na América do Norte, quando eles custarão o dobro após a canetada do presidente dos EUA?
A mudança vai surtir o efeito esperado?
O número de filmes produzidos nos Estados Unidos nos últimos anos de fato caiu. Segundo relatório da FilmLA, grupo sem fins lucrativos que administra as licenças de filmagem para a cidade e o condado, mostrou que as filmagens em Los Angeles diminuíram mais de 22% no período de três meses, de janeiro a março deste ano - mais de um ano após as duas greves que paralisaram a indústria cinematográfica e televisiva dos EUA. Isso significa que a produção ainda não retornou com força total a Los Angeles, considerada por muitos a Meca do cinema.
Embora algumas produções tenham simplesmente se deslocado para outros estados - a Marvel filmou muitos de seus maiores títulos em Atlanta, aproveitando o crédito fiscal de 30% do estado —, sem dúvida, a produção descontrolada, para Londres, Vancouver, Budapeste, Hungria, e Christchurch, Nova Zelândia, levou a uma queda acentuada nos filmes produzidos nos Estados Unidos. O FilmLA relata que a produção caiu quase 40% na última década, e o relatório mais recente da empresa de pesquisa da indústria cinematográfica ProdPro mostra que os gastos com produção nos EUA em geral foram de US$ 14,54 bilhões no ano passado, uma queda de 26% desde 2022.
Mas será que uma tarifa sobre o cinema realmente traria de volta a produção cinematográfica? O principal motivo pelo qual estúdios e estúdios independentes vão para o exterior para filmar é o dinheiro. Fazer um filme nos EUA, que não conta com incentivos fiscais federais como os encontrados no Reino Unido, Europa ou Austrália, pode ser de 30% a 40% mais caro. Some-se a isso o custo das equipes americanas, que são mais caras do que as internacionais — em parte graças à força dos sindicatos americanos de cinema e TV — e não está claro se uma tarifa imposta por Trump seria suficiente para trazer a produção "de volta para casa".