Julien Temple, diretor de The Future Is Unwritten, documentário sobre Joe Strummer, vocalista do Clash morto de ataque cardíaco em dezembro de 2002, deu uma excelente entrevista ao site Coming Soon sobre o cantor e o filme.
joe strummer
O documentário reúne entrevistas de amigos e de artistas inspirados por Strummer, como Bono Vox, Red Hot Chili Peppers e os atores Johnny Depp e John Cusack. O filme traz imagens antigas do cantor e clipes do Clash e dos Mescaleros, projeto liderado por Strummer até sua morte. De acordo com o Coming Soon, The Future Is Unwritten - uma das frases preferidas de Strummer - é obrigatório para admiradores do Clash e para quem quer entender por que a banda tem tantos fãs. Além disso, serve como um tributo de Temple a Strummer, de quem o diretor ficou muito amigo.
Julien Temple é um antigo entusiasta do punk. Seu primeiro curta, Sex Pistols Number 1, registrava o Sex Pistols em pleno auge, de 1976 a 1977. Em seguida, o diretor fez The Great Rock and Roll Swindle, outro documentário - absolutamente bizarro - sobre os Sex Pistols. Depois, Temple dirigiu videoclipes e trabalhou com David Bowie, Blur, Paul McCartney, Rolling Stones. Com Bowie, Temple dirigiu o curta Jazzin´ for Blue Jean e o filme Absolute Beginners, que gastou rios de dinheiro e não teve retorno de bilheteria. Temple voltou às origens dirigindo o excelente documentário O Lixo e a Fúria, sobre - adivinhe! - os Sex Pistols.
A respeito de Joe Strummer, Temple admitiu ter ficado completamente atônito com a morte repentina do vocalista. Segundo ele, o filme não existiria se ele não tivesse se dado conta da importância de Strummer, artística e pessoalmente, no período subseqüente à sua morte. Na entrevista, o diretor conta que as melhores entrevistas foram feitas, por exemplo, em bares de Madri, ao som de copos quebrando e com qualidade de fita cassete. Para ele, essas conversas foram as mais verdadeiras, justamente por serem despretensiosas. Temple praticamente conseguiu fazer com que o cantor fosse o próprio narrador do documentário, por conta da combinação de entrevistas dadas por Strummer com a utilização de cenas do programa que ele apresentava na BBC.
Ao contrário da opinião dos entrevistados, que diziam que ele não poderia usar o conteúdo das entrevistas por causa da péssima qualidade, Temple queria porque queria usá-las, afinal "era sobre o Joe de verdade que eles estavam falando". Temple credita sua equipe de som por ter conseguido a proeza de limpar o áudio e extrair algumas verdadeiras pérolas das entrevistas.
O diretor explicou que a opção por usar imagens conceituais em vez de cenas de shows e de programas de TV para narrar a infância e adolescência de Strummer pareceu a ele mais genuína. Tendo crescido na mesma época que o cantor, Temple lançou mão de imagens icônicas da década de 50 e 60 para ambientar o espectador: "Eu curto a idéia de usar quase ficção para fazer um filme sobre uma história real, de forma a desfazer as fronteiras um pouco. Apesar de estar fazendo um documentário, você está tentando criar uma narrativa para que as pessoas se envolvam emocionalmente, assim como num drama. Creio que é uma boa maneira de mudar o formato dos documentários".
A idéia para o filme surgiu quando Temple editava Glastonbury, documentário que tem uma seqüência com Strummer. O diretor conta que não foi difícil conseguir o apoio de todo mundo, afinal tratava-se do Clash. A única pendenga foi usar uma imagem do guitarrista Jimi Hendrix. De acordo com ele, os detentores dos direitos da obra de Hendrix pediram 186 mil dólares para contribuir com o filme. E ele não pagou, evidentemente.
O diretor também revelou algo bem interessante. Segundo ele, apesar de ser intensamente apregoado pela imprensa que Strummer e Mick Jones - guitarrista e também vocalista do Clash - não se suportavam depois de terem brigado uma certa vez, os parceiros só ficaram sem se falar por um curto período de tempo. Para ele é um erro de percepção, já que a dupla realmente demorou para dividir o mesmo palco novamente. Entretanto, isso não quer dizer que eles não se suportavam, longe disso. Temple lembra que Strummer produziu o álbum do Big Audio Dynamite, projeto de Jones, e que os dois voltaram a tocara juntos, "ironicamente", dez dias antes de Strummer morrer, em um show do Mescaleros.
Para tristeza dos fãs do Clash, Temple contou que tem 14 horas de gravações da banda, mas que não pretende fazer nada com o material, pois "a grande maioria é uma porcaria". A trilha sonora do filme traz uma versão ao vivo de "I'm So Bored wth the U.S.A.", do Clash, "Willesden to Cricklewood", do Mescaleros, e faixas de outros artistas como Nina Simone, Elvis Presley, MC5 e Bob Dylan. Confira a lista aqui.
The Future Is Unwritten fez sua estréia no Festival de Sundance e acabou de entrar em cartaz nos Estados Unidos. Ainda não foi divulgado se o filme será exibido no Brasil, mas certamente será lançado em DVD no exterior. Atualmente, Temple é responsável pela edição de The Eternity Man, um musical de ópera australiano, e futuramente pretende fazer algo sobre outra banda britânica, The Kinks.
Para fechar, Temple deu sua opinião sobre o "ressurgimento" do punk na Califórnia, promovido por bandas como Green Day e Offspring: "As pessoas deveriam fazer as coisas inspiradas pelo momento, pelo espírito de algo, e não copiar o velho estilo punk usando um moicano. É meio entediante porque já foi feito antes. A gente espera por algo que nos surpreenda".