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Ser o filme escolhido para abrir oficialmente o Festival do Rio, atualmente o maior do país, é uma responsabilidade muito grande. Este ano, a tarefa ficou a cargo de Vinicus de Moraes (2005), documentário que conta trechos da vida e obra do poeta por meio de depoimentos de parceiros, amigos e familiares. O filme aposta na veracidade para levar emoção ao público. A produção dirigida por Miguel Faria Jr. respeita a memória desse grande homem que viveu com a emoção à flor da pele.
Vinicius foi um apaixonado pelo Rio de Janeiro. Carioca de nascença, ele teve na cidade uma grande fonte de inspiração. Casou-se 9 vezes e todas essas paixões também lhe trouxeram à tona sua veia criativa. Viveu a vida amando as mulheres e dessas uniões teve um filho e várias filhas. Vindo de uma família de boêmios, foi criado na zona sul (onde hoje é nome de rua) e foi, entre os seus irmãos, o que teve a melhor educação. Costumava dizer que o whisky era um cachorro engarrafado - o melhor amigo que um homem poderia ter.
Com tantas peculiaridades, o diretor Miguel Faria Jr. foi feliz em escolher pessoas da convivência do Vinicius para falar sobre a sua relação com ele. Ele fugiu do formato mais tradicional de um documentário criando um pocket show com apresentadores como seu esqueleto de sustentação. Os anfitriões contavam um pouco de sua vida, muitas vezes com passagens engraçadas, sempre de uma maneira muito descontraída. Miguel usou também fotos da vida do poeta e as pontuou com os poemas da época em que as escreveu. Entre os depoimentos dos amigos, vídeos caseiros e músicas, foram costuradas canções e declamações interpretadas por uma variedade de cantores.
Músicos como Adriana Calcanhotto, Olívia Byington, Mariana de Moraes, Zeca Pagodinho e Martinália cantaram suas músicas. A narrativa conta com as presenças de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tônia Carrero, Francis Hime, Miucha, Maria Betânia, Edu Lobo, Toquinho e muitos outros. Os atores escolhidos para interpretar passagens e textos do autor e de outros foram Ricardo Blat e Camila Morgado. Blat está magnífico, sua expressão corporal e seu olhar sustentam com enorme credibilidade os poemas declamados e as passagens da vida de Vinicius. Já Camila não consegue chegar tão longe. Ela parece meio perdida, artificial. Mas isso não diminui em nada a força do documentário de Faria.
Com uma edição primorosa que alterna humor e emoção, o longa não é ufanista ou piegas. Por mais que todos os fatos não tenham sido explorados ao extremo, o filme é um retrato merecido desse grande artista. Destaque para duas cenas antológicas: uma com Tom e Vinicius cantando completamente bêbados e falando de suas esposas e suas revoluções quando elas quebravam as garrafas de whisky; a outra é a comparação que Ferreira Goulart faz entre a obra de Vinicius e a de Beckett. Esse último poderá gerar polêmicas, mas é impossível não rir de declaração tão espirituosa.
Ao fim da projeção percebemos que Faria preferiu ater-se aos fatos, deixando as lendas de lado. E o que mais impressiona é o ritmo contagiante, bem no estilo bossa nova, da fita. Vinicius deve estar feliz.