Na edição de 2001 do Festival de Cannes, os filmes O quarto do filho (La Stanza del Figlio, de Nanni Moretti) e A professora de piano (La pianiste, de Michael Haneke) protagonizaram o duelo principal pela Palma de Ouro. Ambos possuem grandes qualidades. O primeiro, sensível, retrata a perda de um membro da família de forma honesta, comovente, sem apelações. O segundo, fortíssimo, busca no tratamento ofensivo da vida reprimida de uma professora quarentona, analisar as fraquezas humanas.
Todas as tendências apontavam para uma vitória de Haneke. Mas a organização do festival preferiu a humanidade e a emoção. A professora de piano levou o grande prêmio da crítica, melhor atriz (Isabelle Huppert) e melhor ator (Benoit Magimel). O quarto do filho consagrou-se com a Palma de Ouro, o prêmio principal. A partir desse episódio, em Maio, cresceram os nomes de Moretti e de sua produção. Na Mostra BR de Cinema de São Paulo, em Outubro de 2001, o filme comoveu, em sessões disputadíssimas. E apesar de ignorado no Oscar 2002, não perdeu o brilho.
Traumas humanos
A idéia de filmar a dor da perda já perseguia Moretti havia alguns anos. Em 1998, porém, uma casualidade um tanto feliz o fez adiar os planos: sua mulher engravidou. Como o tema do filme cairia mal num momento tão especial, Moretti finalizou a comédia Aprille naquele ano. Finalmente, em 2001, O Quarto do Filho recebeu atenção do diretor. Na história, o psicanalista Giovanni (o próprio Moretti, em grande atuação) divide o seu tempo entre os tipos mais variados de pacientes excêntricos e o carinho doméstico. Na cidade portuária de Ancona, região italiana de Marche, à beira do Mar Adriático, o cotidiano não lhe reserva surpresas maiores do que conhecer os segredos de seus clientes. Mas uma fatalidade, a morte de seu filho Andrea (Giuseppe Sanfelice), numa acidente de mergulho, destrói a unidade familiar.
Giovanni não consegue manter a qualidade de suas consultas. A mulher, Paola (Laura Morante), e a filha, Irene (Jasmine Trinca), também sofrem com o baque. A partir daí, a luta para a reconstrução ocupa a tela com extrema sensibilidade. Emociona o esforço do psicanalista, um especialista nos traumas humanos, em superar a sua própria tristeza.
O tratamento que Moretti reserva ao tema foge de qualquer dramalhão, de qualquer apelo meloso. Por isso mesmo, o filme, lento e denso, não deve agradar aos fãs do cinemão. Já o espectador mais suscetível certamente cairá no choro, mesmo que a intenção primeira de Moretti não seja provocar as lágrimas, mas pedir um voto de confiança em nome da humanidade e da solidariedade.