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The Post - A Guerra Secreta | Crítica

Steven Spielberg usa caso clássico da imprensa americana para fazer uma defesa de instituições

24.01.2018, às 15H34.
Atualizada em 02.02.2018, ÀS 16H02

Numa época em que não só as instituições mas também as nossas mais sólidas noções de governo estão em transformação, The Post - A Guerra Secreta se apresenta nostalgicamente não apenas como um libelo pela liberdade de imprensa mas principalmente como uma defesa de instituições. Não é por acaso que tanto a esquerda quanto a direita americana o recebam bem; o filme de Steven Spielberg trata personagens como personificações dos pilares do seu tempo: o Estado, a mídia, a família.

Meryl Streep vive o pilar da família, Katharine Graham, publisher do The Wahsington Post durante o período mais crítico da sua história, quando o jornal deixou de ser um empreendimento familiar regional para se transformar em um gigante da imprensa americana. A dinâmica "Igreja vs Estado" que ela estabelece com Ben Bradlee (Tom Hanks) é o motor do filme; Bradlee edita o jornal e defende a autonomia da redação, no dossiê que expõe os documentos secretos do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã, e Katherine precisa defender os interesses econômicos do Post (que se cruzam com os interesses da aristocracia política de Washington).

Bradlee, obviamente, é o pilar da mídia, papel que ele já desempenhou em clássicos como Todos os Homens do Presidente, relato feito a quente em 1976 na época do Watergate (o escândalo que se seguiu ao caso dos papéis do Pentágono, nas páginas do Post). Quem fecha o triângulo aqui e faz o pilar do Estado não é Richard Nixon - figura que Spielberg só filma de costas, à distância, respeitando o caráter ridículo que Nixon ganhou no imaginário hollywoodiano - e sim Robert McNamara (Bruce Greenwood), o Secretário de Defesa e "senhor da guerra" que representa o braço mais dramático do Estado americano, o braço da força.

Ao escolher McNamara como um dos vértices desse triângulo, Spielberg fecha bem os atores funcionais de uma dinâmica de pressão, que conduz a trama de forma tensa, a cada momento pendendo para o lado de Katherine ou de Bradlee. O filme se desenrola numa mistura dos thrillers temáticos de Spielberg, como Munique, em função da tensão, com os longas "de prestígio" do cineasta, em que a fotografia-de-holofote se encarrega de transformar a ação palavrosa em statements discursivos.

É muito interessante observar como em The Post o trabalho do diretor de fotografia Janusz Kaminski se esforça para conciliar o thriller e o palanque. O modo de operação básico de Kaminski é a panorâmica; seja nas salas da casa de Katherine ou na redação do Post, a câmera quase sempre se move em planos longos que circulam o elenco, se aproximam e se afastam de quem fala, como se cercasse a ação após identificá-la. Isso ajuda a manter a tensão interna nas cenas, e ao mesmo tempo torna cada fala um acontecimento, porque cada close-up se antecede por toda uma preparação.

Se Spielberg quer fazer funcionar The Post (um filme em que precisamos mesmo acreditar que esses totens bem definidos da família, da mídia e do Estado são pessoas de carne e osso como nós, falíveis e suscetíveis aos movimentos da trama), é preciso mesmo eleger formas muito rigorosas de enquadrá-los. Além das panorâmicas, The Post abusa dos contra-plongées, um recurso bastante basilar de gramática cinematográfica que acaba funcionando bem aqui para fazer de gigantes como Meryl Streep e Tom Hanks meras peças de uma história maior que a vida.

Ainda assim, convém que não se perca a dimensão conservadora de The Post: toda conquista pessoal é acima de tudo uma conquista do establishment, e seus atores fazem esses papéis de pilar no limite da caricatura: Greenwood está quase irreconhecível com o cabelinho cortado ao meio de McNamara, Streep fica em constante estado lacrimejante para denotar a sensibilidade maternal de Katherine (não por acaso a cena em que ela bota as crianças para dormir é a virada definitiva do filme, o que diz muito sobre a importância que Spielberg dá à família) e Hanks estica as pernas pra cima de qualquer mesa sempre que possível, porque afinal o papel de Bradlee é reafirmar que a mídia não obedece ninguém.

Nota do Crítico
Ótimo