Aproveite as ofertas da Chippu Black!

Veja as ofertas
Termos e Condições Política de Privacidade
Filmes
Crítica

Econômico e atento, Rua do Pescador nº 6 é filmaço de Bárbara Paz

Cineasta retrata enchente no RS com olho afiado para a linha entre caos e tragédia

4 min de leitura
29.07.2025, às 06H10.
Atualizada em 29.07.2025, ÀS 10H11

Créditos da imagem: Cena de Rua do Pescador, nº 6 (Reprodução)

Em uma sequência ainda no primeiro ato de Rua do Pescador, nº 6, a câmera de Bárbara Paz é montada na traseira de um carro que faz ida e volta pela via principal da Ilha da Pintada, uma das colônias de pescadores próximas a Porto Alegre (RS) que mais sofreram com as enchentes históricas de 2024. A tomada se estende bastante conforme Paz captura os esforços arrastados de reconstrução dos habitantes, escombros amontoados pelas ruas, crianças brincando e cachorros correndo, trechos de via ainda parcialmente alagados e outros já secos, mas ainda marcados pela lama úmida de uma enchente que acaba de baixar.

Seria fácil olhar para este trecho do filme e entendê-lo como “encheção de linguiça”, baboseira pretensiosa em P&B de uma cineasta em busca de poesia na tragédia - mas seria também injusto. A cena, afinal, vem carregada de informação: ela nos diz em que pé estamos da recuperação da Ilha da Pintada, como os moradores estão se mobilizando para tentar seguir em frente, como a geografia do local foi afetada pela enchente. Enfim, é uma inclusão justa, não uma indulgência artística. A angústia que a sequência cria diante daquela destruição, e da humanidade que persiste em meio a ela, é o segundo momento. Primeiro ela nos diz algo, depois ela nos faz sentir.

Foram nessas escolhas que Rua do Pescador, nº 6 foi me ganhando, durante exibição no Festival de Cinema Sul-Americano - Bonito CineSUR 2025. O longa começa bem no calor dos primeiros momentos das enchentes de 2024, numa montagem frenética de imagens de arquivo transportadas para o preto-e-branco granulado que virou assinatura do cinema de Paz. Mas ele também entende que a tragédia vem em ondas, ironicamente, e o caos aos poucos vai arrefecendo diante da consciência das perdas - as horas e dias e semanas e meses, comprimidos pela lente da câmera em poucos minutos, mas também dilatados pela proximidade exigida por ela, se impõem. Exceção vira regra, sufoco vira rotina. Vamos resgatando, registrando, vivendo a realidade de uma tragédia que parecia chocante segundos atrás.

Esse primeiro golpe do filme precede a chegada na Ilha da Pintada, onde Paz e sua equipe mergulham na intimidade dos moradores de maneira fragmentada. Fugindo do formato tradicional de testemunhos para a câmera e letreiros explicativos, Rua do Pescador, nº 6 nos revela em pedaços os pesares e os motivos para ficar de seus sujeitos, eliminando a gordura de relatos mais longos e encontrando o cerne dessa comunidade, suas desconfianças em relação ao mundo externo, seus avisos que caíram em ouvidos surdos. Paz ainda entrelaça esses fragmentos com intervenções picotadas de som em off - não uma narração convencional, mas pedaços de canções e discursos políticos, reportagens e debates, que colorem e contrapõem, por vezes com amargor e por vezes com carinho, aquele cenário que ela pinta na Ilha.

Rua do Pescador, nº 6, enfim, é essencialmente um filme muito atento. As imagens e ideias incluídas nele são escolhidas com intenção - com sentimento, também, mas principalmente com intenção. Paz se aproxima do filme de horror quando convém, subindo o assovio dos ventos que prenunciam uma nova chuva como um aviso agourento, flutuando o ritmo da montagem para observar angústias que se arrastam (o cachorro nadando ao redor de um telhado, em busca de um local seco para estar) e que se interrompem. Quando ela revisita locações, é para revelar uma passagem de tempo, se maravilhando e se horrorizando, ao mesmo tempo, com o fato de que a vida se reergue e continua. Quando para diante de uma porta para observar um navio cargueiro passando pelo Lago Guaíba, retomando o giro do capitalismo pós-catástrofe, é com a mesma intenção.

Conforme o filme se aproxima do fim - são econômicas, mas densas, 1h18 de metragem -, a impressão que fica é que a cineasta deixou ali o que importava. Determinada a transmitir um sentimento, ela nos passou também um retrato fiel do que se passou naquele lugar, em suas nuances humanas e suas realidades imutáveis. Rua do Pescador, nº 6 é um filme sentido e urgente, é claro, mas é um documentário melhor ainda.

*Rua do Pescador, nº 6 foi exibido no Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito - Bonito CineSUR 2025. Fique de olho no Omelete para a cobertura completa.

Nota do Crítico

Excelente!

Rua do Pescador, nº 6

2025
78 min
País: Brasil
Direção: Bárbara Paz