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Riocorrente | Crítica

Contra o marasmo da correnteza

04.06.2014, às 20H45.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 15H01

Encontrar vozes e meios de expressão num ambiente paralisante era o propósito do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro, que lançou o nome do montador Paulo Sacramento como diretor em 2002. Em Riocorrente, seu primeiro longa de ficção, Sacramento amplia o escopo e trata toda a cidade de São Paulo como cenário de asfixia.

riocorrente

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A violência, pontuada ao longo do filme pela trilha de suspense nervoso do compositor Paulo Beto, já abre o filme na cena em que o menino de rua caminha e risca um carro estacionado enquanto passa. É uma violência sem esforço essa de São Paulo, como se tivesse sido assimilada e já fizesse parte da personalidade da cidade.

A violência do dia a dia enquanto um acordo velado entre as pessoas - como uma condição para que São Paulo possa ser a cidade "que não para", premissa absurda que o filme ironiza com imagens de circo - incomoda o trio de protagonistas, um jornalista, uma mulher e um ex-ladrão de carros. Cada um reage a seu modo ao triângulo amoroso que se forma entre eles, e o imobilismo versus a ânsia de mudança que está no centro desse conflito se estende às relações que eles mantêm com a cidade.

A história que Sacramento propõe entre os três é mais circular que linear, e Riocorrente se assemelha a O Som ao Redor na forma como constrói um painel de angústias urbanas a partir de pequenas vinhetas que flertam com o realismo fantástico. Os semáforos vermelhos que nunca viram verde, por exemplo, situação à moda Julio Cortázar que todo paulistano vive diariamente, se tornam pesadelo como o alarme vermelho do sonho à la John Carpenter do filme pernambucano.

Embora possa desagradar quem permanece alheio a filmes feitos de símbolos e avessos a narrativas tradicionais, Riocorrente encontra em imagens de rotina - desmanches de carros, grades de prédios, fluxos de rios - traduções bastante fortes da nossa indiferenca diante da ausência, diante das mortes das coisas. Quem acha que este é o tipo de filme em que nada acontece talvez não perceba que em Riocorrente acontece coisa demais, o tempo todo, como na vida.

Riocorrente | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom